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Picabia_Francis-Tetes-paysageNum casal que se ama os filhos nascem, os filhos crescem, os filhos vão à vida deles, e se o amor permanece, o mais belo sonho é o de envelhecer juntos. É do que nos fala, enquanto desejo, o poema de Amalia Bautista  (1962) que hoje transcrevo:

Conta-mo outra vez

Conta-mo outra vez: é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o casal
do conto foi feliz até à morte,
que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não te esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuavam beijando-se cada noite.
Conta-mo mil vezes, por favor:
é a história mais bela que conheço.

Cuéntamelo otra vez

Cuéntamelo otra vez, es tan hermoso
que no me canso nunca de escucharlo.
Repíteme otra vez que la pareja
del cuento fue feliz hasta lá muerte,
que ella no le fue infiel, que a él ni siquiera
se le ocurrió engañarla. Y no te olvides
de que, a pesar del tiempo y los problemas,
se seguían besando cada noche.
Cuéntamelo mil vezes, por favor:
es la historia más bella que conozco.

A poesia de Amalia Bautista que conheço é quase toda ela um apelo à continuidade do amor reflectindo sobre os seus desconcertos e vicissitudes.

Feita do relato condensado de situações em curso, quando o fim se pressente próximo, cada poema remete para o sobressalto permanente que a possibilidade do amor contém.

Por detrás deste sentir feminino, é a presença do homem de hoje, na sua tateante busca de afirmação, quem se desenha, e nisso cada poema é uma contínua aprendizagem para todos nós.

Usando a lição da famosa fábula de Esopo, lemos no poema seguinte dizer exactamente o contrario do que se sente, de alguma forma erro recorrente entre os que se amam, quando amuados.

A raposa e as uvas

Não me interessa já querer-te tanto,
há muito tempo deixaram de agradar-me
os teus beijos, as tuas caricias, a tua voz,
já não tem sentido a nossa história.
Outros homens me cortejam como loucos
e é bom momento para loucura.
As tuas mãos nunca foram, tu o sabes,
suaves como as uvas, e já é hora
que uma raposa possa desprezar-te.

La zorra y las uvas

No me interessa ya quererte tanto,
han dejado hace tiempo de gustarme
tus besos, tus caricias y tu voz,
ya no tiene sentido nuestra historia.
Otros hombres me rondam como locos
y es buen momento para locura.
Tus manos nunca han sido, tú lo sabes,
suaves como las uvas, y ya es hora
de que una zorra pueda despreciarte.

Os poemas foram publicados no livro Cuéntamelo otra vez em 1999. A transcrição dos originais foi feita a partir da edição da poesia reunida da autora, TRES DESEOS, Editorial Renacimiento, Sevilha 2006. A tradução é de minha responsabilidade.