Etiquetas
Estreio no blog a poesia de Octavio Paz (1914-1998), Nobel mexicano e poeta gigantesco entre os grandes das letras hispânicas.
Sábio nas coisas da vida e do amor, é no desprendimento da matéria que medita o dia, o efémero e o passar do tempo no poema Dia:
Dia feito de tempo e de vazio: / desabitas-me, apagas / meu nome e o que sou, / enchendo-me de ti: luz, nada.
Entrego-vos à tradução do poeta Luís Pignatelli (1935-1993).
Dia
De que céu caído,
oh insólito,
imóvel solitário na onda do tempo?
És a duração,
o tempo que amadurece
num instante enorme, diáfano:
flecha no ar,
branco embelezado
e espaço já sem memória de flecha.
Dia feito de tempo e de vazio:
desabitas-me, apagas
meu nome e o que sou,
enchendo-me de ti: luz, nada.
E flutuo, já sem mim, pura existência.
Día
¿De qué cielo caído,
oh insólito,
inmóvil solitario en la ola del tiempo?
Eres la duración,
el tiempo que madura
en un instante enorme, diáfano:
flecha en el aire,
blanco embelesado
y espacio sin memoria ya de flecha.
Día hecho de tiempo y de vacío:
me deshabitas, borras
mi nombre y lo que soy,
llenándome de ti: luz, nada.
Y floto, ya sin mí, pura existencia.
Antes de terminar, arquivo o famoso Destino de Poeta, evidência e síntese do falar poético:
Destino de Poeta
Palavras? Sim, de ar,
e no ar perdidas.
Deixa-me perder entre palavras,
deixa-me ser o ar nuns lábios,
um sopro vagabundo sem contornos
que o ar desvanece.
Também a luz em si mesma se perde.
Destino de poeta
¿Palabras? Sí, de aire,
y en el aire perdidas.
Déjame que me pierda entre palabras,
déjame ser el aire en unos labios,
un soplo vagabundo sin contornos
que el aire desvanece.
También la luz en sí misma se pierde.
A tradução é de novo de Luís Pignatelli. Ambas as traduções foram publicadas em Antologia Poética, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1984.
Os poemas integraram o livro Libertad bajo palabra (1958).