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Aqui nesta praia onde
A minha não é a praia de Sophia onde Não há nenhum vestígio de impureza,
É uma praia popular, onde as multidões se acotovelam quando a maré está alta, ou se espraiam quando chega a baixa-mar.
É uma praia de famílias onde um curioso hiato etário acontece. Encontram-se ausentes os jovens. Apenas nos cruzamos com crianças e adolescentes em idade de ainda acompanharem os pais, ou então casais de meia idade a quem a acessibilidade da praia conforta.
Circulando entre a multidão nos passeios à beira-mar, dou por mim muitas vezes a tentar imaginar as pessoas com que me cruzo, vestidas e ocupadas nos seus afazeres profissionais. Não consigo! Os corpos semi-nus, obesos ou deselegantes, longe dos padrões publicitários como é característico da humanidade, ganham uma identidade que apaga as diferenças existentes entre o banhista do guarda-sol da coca-cola, e o outro que se protege na sombra da dispendiosa palhota da primeira fila, onde repousa na espreguiçadeira.
Mas também nesta minha praia, hoje as Ondas tombando ininterruptamente, / Puro espaço e lúcida unidade, me permitiram sentir, nadando, que Aqui o tempo apaixonadamente / Encontra a própria liberdade.

Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

As pessoas de quem falei acima são quem faz este meu país, e de quem Eugénio de Andrade (1923-2005) também fala no seu poema As amoras.

As amoras

O meu país sabe as amoras bravas
no Verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Notícia bibliográfica

O poema de Sophia, publicado inicialmente em Mar Novo (1ª edição 1958), foi transcrito de Obra Poética, Editorial Caminho, 2ªedição, 2011.

O poema de Eugénio de Andrade, publicado inicialmente em O Outro Nome da Terra (1ªedição 1988) foi transcrito de Poesia, Rosto Editora, Vila Nova de Gaia, Abril de 2011.