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Devo ao labor de tradutor de Pedro Tamen (1934), longas horas de prazer de leitura, mas é à sua poesia que hoje venho.
É vasta a obra poética de Pedro Tamen (1934) e sobre ela não tive ainda a oportunidade de uma visão de conjunto. Encantam-me alguns poemas, mas um livro há que me toca de forma especial: Memória Indiscritível. Percorre-o uma atmosfera de despedida e peregrinação. Reflexivo na maior parte dos poemas, pareceria trazer um ponto final à obra poética que afinal, sabemos, não aconteceu.
A cadeira como pretexto e objecto poético não é muito frequente. De Memória Indescritível escolho 2 poemas em que a cadeira é ponto de partida, e onde uma amarga ironia ao olhar o envelhecimento brilha.
I
Nesta cadeira me sento
é nela que me apresento,
mas menos do que me ausento,
tento, lamento, avelhento,
aqui me invento e rebento;
passo cordura de unguento
e alimento o alento
da vida de sono e pão.
Desta cadeira prossigo
para um outro nó pascigo,
já sem perigo nem abrigo,
amigo como inimigo,
com meu já perdido umbigo
de só nascer por castigo:
ali de vez eu te irrigo,
cintilante coração.
II
Sento-me na cadeira
e olho para o chão:
mesmo à minha
beira abre-se o vulcão
onde o fogo assume
sua condição
de rubro negrume
sem limitação,
sem mira que veja
onde acaba a mão
que tem a bandeja
do vinho e do pão.
Mesmo que não queira,
sorvido me sumo:
desfaz-se a cadeira
e eu desfeito em fumo.
Nota bibliográfica
Memória Indescritivel de Pedro Tamen foi publicado por GÓTICA, Lisboa, 2000