Etiquetas

Enquanto olho Lisboa, saltita-me o pensamento entre a metafísica dos sinais de transito no percurso da volta,e a importância do tempo no boletim meteorológico. É preciso ver o caminho. E inevitavelmente chego a Alexandre O’Neill.


Periclitam os grilos:

a noite é nada.

Quem tem filhos tem cadilhos,

(Que quadra tão bem rimada!)


Não espere, leitor, que eu diga:

“Debaixo daquela arcada…”.

Não venho fazer intriga:

versejo só – e mais nada.


Assim o terceiro verso

desta tirada

(reparou que é um provérbio?)

não significa mais nada.


Se a noite é nada e os grilos

não estão de asa parada,

não vou puxar, só por isso,

o fio à sua meada,


leitor que me pede história

que já traz engatilhada,

leitor que não se habitua

a que não aconteça nada


em poesia que comece

como esta foi começada

e acabe como esta

vai agora ser acabada…

A esta luz, é a possibilidade da metáfora no jogo do bingo que me ocorre, mas este céu duma tristeza cor de farda leva-me a esse outro SONETO onde a aposta é na vida, mesmo errada.

No céu duma tristeza cor de farda,

Uma angustia de nuvens se desenha.

O amor já morreu: que o tempo venha

Desmantelar o que a memória guarda.


Jogai!, jogai! Quem não jogar não ganha

Nem perde. É a última cartada.

Eu aposto na vida, mesmo errada.

Talvez outro destino me sustenha.


Avião de Lisboa para o mundo,

Apaga-me a tristeza com as asas,

Tão nítidas no céu em que me afundo!


Depois desaparece atrás das casas

E deixa-me o azul, o azul profundo,

E duas nuvens de razão tocadas.

Ei-las:

Deixo-vos com um AUTO-RETRATO do poeta em 1962 onde lembra a imensa verdade de que amor não há feito:

AUTO-RETRATO

 

O’Neill (Alexandre), moreno português,

cabelo asa de corvo; da angústia da cara,

nariguete que sobrepuja de través

a ferida desdenhosa e não cicatrizada.

Se a visagem de tal sujeito é o que vês

(omita-se o olho triste e a testa iluminada)

o retrato moral também tem os seus quês

(aqui, uma pequena frase censurada..)

No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neill!)

e tem a veleidade de o saber fazer

(pois amor não há feito) das maneiras mil

que são a semovente estátua do prazer.

Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se

do que neste soneto sobre si mesmo disse…

Noticia bibliográfica:

Soneto foi publicado em 1958 no livro NO REINO DA DINAMARCA, Periclitam os grilos foi publicado em 1960 no livro ABANDONO VIGIADO, AMBOS PELA Guimarães Editores . AUTO-RETRATO foi publicado em POEMAS COM ENDEREÇO, em 1962 pela Livraria Moraes Editora.