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AMAR OU ODIAR
Amar ou odiar: ou tudo ou nada!
O meio termo é que não pode ser
A alma tem d’estar sobressaltada
P’ra o nosso barro se sentir viver.
Não é uma cruz a que não for pesada,
Metade dum prazer não é um prazer;
E quem quiser a alma sossegada
Fuja do mundo e deixe-se morrer.
Vive-se tanto mais quanto se sente;
Todo o valor está no que sofremos…
Que nenhum homem seja indiferente!
Amemos muito, como odiamos já:
A verdade está sempre nos extremos,
Porque é no sentimento que ela está.
Recusando as nuances do compromisso neste soneto da paixão como absoluto da vida, o poeta afirma mesmo – O meio termo é que não pode ser .
Fulgor de quem a vive, cego a valores e conveniências, a paixão é devastadora nas suas consequências logo que a vida impõe o cinzento dos compromissos.
Esta é uma poesia incompatível com o nosso tempo. Tempo onde o frémito da paixão está ausente e apenas um fugidio bem estar afectivo é o valor a perseguir.
Poeta do amor, não deste ou daquele amor, desta ou daquela mulher, mas do sentimento amoroso em si, poeta de um amor que a si próprio se ama, como o descreve a certa altura João Gaspar Simões num pequeno estudo que lhe dedica na sua “Perspectiva Histórica da Poesia Portuguesa”.
E diz mais, “Fausto Guedes Teixeira é o poeta que depois de 1900 mantém as melhores tradições [da] lira sentimental, gemente a toda a hora entre nós…”.
A propósito da forma na poesia de Fausto Guedes Teixeira refere mais à frente “ Persuadido de que o sentimento vale mais que a arte, os seus versos, moles e frouxos nas composições longas de varios metros – … – ganham rigor na intensidade do soneto.”
Ainda segundo João Gaspar Simões, foi Fausto Guedes Teixeira “quem recriou esse modelo métrico onde o sentimento entra, em doses maciças, mas pautado ao mesmo tempo pelo rigor da forma que obriga a quem se abeira do soneto.”.
Vejamos esta mestria no manuseio do soneto em dois estereótipos de mulher:
ESBOÇO
Negro o cabelo, a fronte iluminada,
O nariz curvo, a boca pequenina,
Nos olhos escuríssimos cravada
Uma estrela no fundo da retina.
Nas faces uma rosa desmaiada
E outra rosa nos lábios purpurina,
Seus pequeninos pés os duma fada
E o seu corpo um corpinho de menina.
Todos os traços cheios de expressão,
Nas mãos um fogo estranho que lhas beija,
Porque eu lhe puz nas mãos o coração.
Eis o esboço rápido daquela
Que, sempre que na vida alguém a veja,
Nunca mais vê ninguém senão a ela!
Aqui desenha-se um universal, motivo de paixão, ao afirmar: Que, sempre que na vida alguém a veja, / Nunca mais vê ninguém senão a ela!.
A seguir, no próximo soneto, PARA TODO SEMPRE, dá-nos o poeta a explicação do que acontece “sempre que na vida a mulher sente / Que se enganou e aceita outra paixão,”
Quando se chega a ver nitidamente
O erro duma primeira ligação,
É muito natural que toda a gente
Se dê um dia a outro coração.
Mas sempre que na vida a mulher sente
Que se enganou e aceita outra paixão,
Então, ou a conserva eternamente
Ou ela pensa que não tem perdão.
E é por esse motivo que, ao segundo
Amor, ela se prende como cega,
Sem com mais nada se importar no mundo.
É que a mulher, feliz ou desgraçada,
Não se perde na hora em que se entrega,
Mas na hora em que for abandonada.
Depois deste coloquial soneto, onde o sempre, tal como no soneto anterior, garante o absoluto da ideia afirmada, não podia deixar de ilustrar como o sexo, sempre por detrás de tanta paixão, se mostra timidamente na poesia de Fausto Guedes Teixeira, “Tomando a forma duma labareda.”:
FOGO DO CÉU
O que mais amo nesta criatura
E que apaixonadamente me traz
Não é a sua grande formosura,
Mas a paixão de que a julguei capaz.
Com tanta duração como ternura
E tão fiel como o supus tenaz,
Dar-me-ia esse amor toda a ventura
Em que hoje creio e não achei p’ra trás.
Quando consigo por acaso vê-la
Vendo os seus braços, lembro o seu abraço.
Vendo-lhe a boca, sonho os beijos dela.
E, enquanto a vida só prazeres segreda,
Seu lindo corpo some-se no espaço
Tomando a forma duma labareda.
Noticia bibliográfica
Os sonetos transcritos, com ortografia modernizada, foram retirados de Sonêtos d’Amôr, de Fausto Guedes Teixeira, publicados em 1ª edição, em 1922, por EDIÇÕES LUSITANIA .
Novas Perspectivas da Poesia Portuguesa (Século XX) de João Gaspar Simões foi publicado em 1ªedição em 1976 por Brasília Editora, nas Obras Completas do Autor.
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poeta magnífico. anto vila meâ. zemariocarvrlh
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