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Temos para inicio desta viagem poética na blogosfera uma JORNADA ÀS CORTES DO PARNASO da autoria de DIOGO DE SOUSA. A jornada descrita em poema de 965 versos, inicia a sua segunda parte com o relato do Nascimento da Poesia:
Depois de aquele caso desestrado
que aconteceu a Dafne sem ventura
ficou perdido Apolo d’esquentado.
E foi em tamanho aumento esta quentura
que lhe inchou com os carnais desejos
(falando com perdão) toda a natura.
Andava mariscando aos caranguejos
Dona pobreza, e consigo tinha
Piolhos lendes, pulgas, persovejos.
Apolo viu-a, e como teso vinha
chegou-se a ela, conta-lhe seus males
e o remédio lhe pede que convinha.
Faltavam-lhe à senhora então reales;
pediu-lhos, deu-lhos e ambos se encontraram
sem pifaros, tambores e atabales.
Todo dia depois se retoçaram
sob uma pouca de erva e verde rama
que ambos com as unhas arrancaram.
Ficou prenhe de Apolo a pobre dama
porque para emprenhar são escusados
travesseiros, lençois, colchões ou cama.
Depois de nove meses passados,
na minguante da lua, noite fria
a Pobreza pariu com dous mil brados.
Nasceu a rapariga Poesia
filha de Apolo, filha da Pobreza
muito mais pobre que ela em demasia.
O poema prossegue com as venturas e desventuras da dama e seus consortes poetas entre outros acontecimentos relevantes como podereis ler no final deste artigo.
A primeira parte do poema relata-nos a viagem do poeta até ao Parnaso desde que a 23 de Maio encontrando-se pescando à cana no rio Mondego se cruzou com Apolo e as nove musas. Na sequência deste encontro, e pelos serviços prestados, vendo-o o deus inclinado à poesia:
“Quis-me fazer a mim tão grande nela / Que me invejassem todos os modernos / De Itália, França, Portugal, Castela.”
Despachados “Correos pelo mundo, que os poetas / ás cortes do Parnaso convocassem”
despediram-se as musas “… e me mandaram / que fosse aquelas cortes tão famosas.”
Obediente para lá segue o poeta e nós com ele, numa leitura variada de gentes paisagens e acontecimentos até ao final da primeira parte quando chega ao Parnaso
“… sem que esperem / as musas lá por mi, nem se lembraram / que me mandaram ir para me verem.
Contudo num palheiro me alojaram / c’um poeta marfuz mui negro e longo / cujo cheiro e suor muito gavaram.
Era eu de Portugal, ele do Congo / de seu rei negro único privado / amigo sobremodo de mondongo.
Com ele estive sempre acamarado / nas cortes, onde quis Phebo divino / que eu fosse então poeta laureado, / que depois seria outro tão mofino.”
E assim se conclui a primeira parte do poema. À curiosidade do eventual leitor deixo a pesquisa do significado de Mondongo.
O poema, conhecido em diversos manuscritos conservados inéditos e objecto de três edições impressas, truncadas, no século XVIII, foi alvo da curiosidade de alguns literatos ao longo dos tempos, e ainda que publicado por Hermano Saraiva como anexo à sua “Vida Ignorada de Camões” em transcrição da versão manuscrita do Cancioneiro Fernandes Tomás, conheceu finalmente uma edição crítica modelar da responsabilidade de Valeria Tocco publicada em Itália em 1996.
De acordo com esta edição, o poema teria sido escrito entre 1614 e 1621. Dos dados compulsados pela autora, Diogo de Sousa possivelmente cristão-novo, originário de Coimbra ou arredores, após servir no exército ter-se-á licenciado em (Direito?) e exercido em (Coimbra?). Provavelmente por este motivo, para iludir a censura inquisitorial e para não se expôr em excesso, terá feito circular este seu poema burlesco sob o pseudónimo de Fr. Diogo Camacho.
A autora faz sobressair a singularidade do argumento e destaca a originalidade da inserção de elementos picarescos no poema quais sejam, o estatuto do narrador traduzido na autobiografia fictícia do anti-heroi que, não obstante a sua condição, ascende ao Parnaso, e os cenários em que na primeira parte a viagem decorre. Descarta com isto a filiação desta Jornada nas Viagens ao Parnaso criadas em Itália ao longo do século XVI, bem como a afinidade, imitação ou inspiração próxima na Viaje del Parnaso de Cervantes publicada em 1614.
Relevo as fascinates considerações de crítica histórico-literária que acompanham a edição crítica do poema, e aqui deixo na totalidade esta composição satírica em que a visão crítica da sociedade coeva, e em particular a sociedade literária, são o assunto desta parodia em estilo joco-sério.
Eis a totalidade do poema em formato pdf:
Jornada ás Cortes do Parnaso – Prólogo
Jornada ás Cortes do Parnaso – Primeira Parte
Jornada ás Cortes do Parnaso – Segunda Parte
Bibliografia
Tocco, Valeria – Diogo de Sousa, Jornada às Cortes do Parnaso, Edizione critica, studio introduttivo e commento a cura di Valeria Tocco, Bari, Adriatica Editrice, 1996