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Eugénio de Andrade — nunca o amor foi fácil, nunca

05 Quinta-feira Set 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Portuguesa Contemporânea

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Eugénio de Andrade, Heinrich Hoerle

É apenas o começo. Só depois dói,

e se lhe dá o nome.

Às vezes chamam-lhe paixão. …

 

Do anúncio da paixão à sua consumação, escolho quatro poemas de Eugénio de Andrade (1923-2005) para ilustrar o erotismo velado que percorre a poesia portuguesa do século XX e em tempos referi a pretexto do poema Metafísica de Adolfo Casais Monteiro.

Nestes poemas Eugénio de Andrade fala da paixão com uma tocante arte da palavra escrita. Na obsessiva limitação do léxico faz maravilhas:

 

Talvez nem tenha nome.

Anunciado só pelo frémito

da folhagem.

O riso invisível, o grito

de um pássaro, o escuro

da voz. …

 

Anunciada a chegada do amor, a sua consumação é contada com a economia, elegância, e emoção constantes na sua poesia:

…

respiro rente à tua boca,

abre-se a alma à língua, morreria

agora se mo pedisses, dorme, …

 

 

Eis os poemas antes citados:

 

Talvez

 

Talvez nem tenha nome.

Anunciado só pelo frémito

da folhagem.

O riso invisível, o grito

de um pássaro, o escuro

da voz. Certa doçura,

certa violência.

O espesso, volúvel

tecido da noite agora a roçar

o corpo da água. E por fim

a muito lenta paixão

do fogo, sufocada.

Era o verão.

 

in O Sal da Língua, 1995

 

 

Da Maneira Mais Simples

 

É apenas o começo. Só depois dói,

e se lhe dá o nome.

Às vezes chamam-lhe paixão. Que pode

acontecer da maneira mais simples:

umas gotas de chuva no cabelo.

Aproximas a mão, os dedos

desatam a arder inesperadamente,

recuas de medo. Aqueles cabelos,

as suas gotas de água são o começo,

apenas o começo. Antes

do fim terás de pegar no fogo

e fazeres do inverno

a mais ardente das estações.

 

in Os Sulcos da Sede, 2001.

 

 

Poema 25

 

Cala-te, a luz arde entre os lábios

e o amor não contempla, sempre

o amor procura, tacteia no escuro,

esta perna é tua?, é teu este braço?

subo por ti de ramo em ramo,

respiro rente à tua boca,

abre-se a alma à língua, morreria

agora se mo pedisses, dorme,

nunca o amor foi fácil, nunca,

também a terra morre.

 

in Matéria Solar, 1980.

 

 

Poemas sem que o género dos protagonistas se explicite, ganham uma capacidade universal de falar ao coração das gentes, aflorando um erotismo de que Vaguíssimo retrato, com que termino esta volta, é um paradigma:

 

Vaguíssimo retrato

 

Levar-te à boca:

beber a água

mais funda do teu ser…

Se a luz é tanta

— como se pode morrer?

 

in Obscuro Domínio, 1971.

 

Poemas transcritos de Eugénio de Andrade, Poesia, Rosto Editora, lda, V.N.Gaia, 2011.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Heinrich Hoerle (1895-1936), Rapariga melancólica, de 1930.

É fácil imaginar esta rapariga leitora de poesia, sonhadora com os frémitos da paixão, e melancólica na expectativa da sua espera.

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