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Um cego — poema de Jorge Luis Borges e desenho de Barocci

08 Domingo Jun 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Federico Barocci, Jorge Luís Borges

Anónimo - atribuido a Federico Barocci

Já a propósito do poema Elogia da sombra falei de alguma da poesia de Jorge Luis Borges (1899-1986) sobre a cegueira. Hoje volto com o poema Um cego, o qual, na sua concisão lapidar, dá conta do sentimento de ver, de si, apenas a alma.

É este apenas ver a alma, a que quem é cego está remetido, algo de enorme dificuldade na representação gráfica.

O desenho que abre o artigo, de autor anónimo e atribuído ao pintor italiano quinhentista Federico Barocci (1528-1602), é um dos raros exemplos de representação exemplar de cegueira humana. Mas o desenho tem mais: tem um homem de quem quase conseguimos saber tudo, apesar de a representação não mostrar a alma pelo olhar, caminho da empatia no ver. É o inacabado do cabelo e barba que permite o destaque de todo o rosto, na pungente expressão de um provável e desolado sofrimento. Pouco diferirá da ira muda, fatigada, aflita, que Borges refere no poema que a seguir se lê

 

Um cego

 

Não sei qual é a face que me fita

Quando observo a face de algum espelho;

No seu reflexo espreita-me esse velho

Com ira muda, fatigada, aflita.

Lento na sombra, com as mãos exploro

Meus invisíveis traços. O mais belo

Fulgor me atinge. Vi o teu cabelo

Que é já de cinza ou é ainda de ouro.

Repito que perdi unicamente

A superfície sempre vã das coisas.

O consolo é de Milton e é valente,

Mas eu penso nas letras e nas rosas,

Penso que se pudesse ver a cara

Saberia quem sou na tarde rara.

 

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

in Obras Completas III, 1975-1985, Editorial Teorema, 1998

 

Un Ciego

 

No sé cuál es la cara que me mira

cuando miro la cara del espejo;

no sé qué anciano acecha en su reflejo

con silenciosa y ya cansada ira.

Lento en mi sombra, con la mano exploro

mis invisibles rasgos. Un destello

me alcanza. He vislumbrado tu cabello

que es de ceniza o es aún de oro.

Repito que he perdido solamente

la vana superficie de las cosas.

El consuelo es de Milton y es valiente,

pero pienso en las letras y en las rosas.

Pienso que si pudiera ver mi cara

sabría quién soy en esta tarde rara.

 

Transcrito de Poesía completa, Debolsillo, Barcelona, 2013.

 

O desenho pertence à colecção da Galeria Albertina de Viena.

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