• Autor
  • O Blog

vicio da poesia

Tag Archives: Aleksandr Blok

Ravena num poema de Aleksandr Blok

22 Sábado Jul 2017

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Aleksandr Blok

O pó da história reina sobre os esplendores da arte bizantina de Ravena, pretexto de meditação sobre o efémero do poder e a dimensão terrena dos seus tenentes. O tempo passa, os poderosos morrem, a arte guarda vestígios dessa existência, e apenas a poesia resiste ao tempo:

…
À noite, inclinado entre as colinas,
Só, pondo os séculos à prova,
Dante — perfil aquilino —
Canta para mim da Vida Nova.

 

Assim termina Aleksandr Blok (1880-1921) a sua reflexão poética sobre a cidade e a história na belíssima versão de Augusto de Campos do poema Ravena que a seguir transcrevo.

 

 

 

Ravena

Tudo o que é instante, tudo o que é traço
Sepultaste nos séculos, Ravena.
Como uma criança, no regaço
Da eternidade estás, serena.

Sob os portais romanos os escravos
Já não trazem mosaicos pelas vias.
O ouro dos muros arde
Nas basílicas lívidas e frias.

Os arcos dos sarcófagos desfazem,
Sob o beijo do orvalho, as cicatrizes.
Nos mausoléus azinhavrados jazem
Os santos monges e as imperatrizes.

Todo o sepulcro gela e cala,
Os muros mudos, desde o umbral,
Para não acordar o olhar de Gala*,
Negro, a queimar por entre a cal.

Das pesadas de sangue e dor e insídia
O rasto já se apaga e se descora.
Para que a voz gelada de Placídia*
Não se recorde das paixões de outrora.

O longo mar retrocedeu, longínquo.
As rosas circundaram as ameias,
Para que os restos de Teodorico
Não sonhem com a vida em suas veias.

Onde eram vinhedos — ruínas —
Gentes e casa — tudo é tumba.
Sobre o bronze as letras latinas
Troam nas lages como trompa.

Apenas no tranquilo e atento olhar
Das moças de Ravena, mudamente,
Às vezes uma sombra de pesar
Pelo irrecuperável mar ausente.

À noite, inclinado entre as colinas,
Só, pondo os séculos à prova,
Dante — perfil aquilino —
Canta para mim da Vida Nova.

 

 

Tradução de Augusto de Campos
in Linguaviagem, editora Schwartz, São Paulo, 1987.

 

 

* Gala Placídia – https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Mausoléu_de_Gala_Plac%C3%ADdia

 

O artigo de Wikipédia no link anterior disponibiliza abundante informação sobre Gala Placídia, a sua biografia, e o mausoléu em Ravena referido nas quadras 3 e 4 do poema.

 

 

Abre o artigo a imagem de um mosaico, O Bom Pastor, na luneta sobre a porta de entrada no mausoléu de Gala Placídia em Ravena.

 

 

Partilhar:

  • Tweet
  • Carregue aqui para enviar por email a um amigo (Abre numa nova janela) E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • Clique para partilhar no WhatsApp (Abre numa nova janela) WhatsApp
  • Pocket
  • Clique para partilhar no Telegram (Abre numa nova janela) Telegram
Gosto Carregando...

Veneza em 2 poemas de Aleksandr Blok e pintura de Canaletto

21 Quinta-feira Fev 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas

≈ 2 comentários

Etiquetas

Aleksandr Blok, Canaletto

Canaletto - 1732 a

À imagem iconográfica de Canaletto (1697-1768) com que abre o artigo, dando a ver a Veneza do século XVIII, que em grande parte hoje se conserva, acrescento 2 poemas de Aleksandr Blok (1880-1921), poeta russo, o mais velho daquela geração que sucumbiu ao avançar da revolução soviética para o estalinismo, triturando todos os movimentos artísticos de vanguarda que a revolução permitira e desenvolvera.

Veneza II

Pelas lagunas, frio vento.
Gôndolas – mudas tumbas.
Esta noite, jovem e doente,
Sob a coluna do leão sucumbes.

Na torre, com uma canção de chumbo,
Os gigantes dão a hora noturna.
Na laguna lunar Marcos mergulha
Sua iconóstase soturna.

Nas sombras das galerias dos palácios,
À palidez da lua –  passos.
Salomé, esgueirando-se, passeia
Minha cabeça em sangue nos seus braços.

Tudo dorme – palácios, canais, gente.
Só o passo deslizante da princesa
Só – sobre o peito negro – uma cabeça
Contempla a treva em torno com tristeza.

Veneza III

O barulho da vida já não dura.
A maré de inquietudes se quebranta.
E no veludo negro o vento canta
Minha vida futura.

Talvez despertarei noutro lugar,
Quem sabe nesta terra entristecida,
E algumas vezes hei de suspirar
Pensando em sonho nesta vida?

Mercador, padre, arrais, neto de um doge,
Quem me fará viver? Que criatura
Há de forjar com minha mãe futura
Na noite escura a vida que me foge?

Quem sabe até, ao escutar o canto
Da jovem veneziana, comovido,
O meu futuro pai por entre o encanto
Da canção já me tenha pressentido?

Quem sabe em algum século vindouro
A mim, criança, a sorte me consente
Abrir as pálpebras, tremulamente,
Junto à coluna do leão de ouro?

Mãe, o que canta este áfono instrumento?
Talvez a fantasia já te embale
E me protejas com teu santo xale
Da laguna e do vento?

Não! O que é, o que foi – tudo está vivo!
Fantasias, visões, ideias – tudo!
A onda do oceano recidivo
As despeja na noite de veludo!

Traduções de Augusto de Campos, in poesia da recusa, Perspectiva, São Paulo, 2006.

Apenas a biografia e a peculiar disposição do poeta Aleksandr Blok explica esta atmosfera de morte que percorre os seus poemas evocando Veneza, os quais integram os Versos Italianos de 1909.

Provavelmente a cidade que ele conheceu não foi a Veneza que em meados dos anos 70 conheci e me apaixonou como a mais bela das cidades, onde a ausência de ruído automóvel e o som dos passos no empedrado de calçadas e pontes fazia o mundo parecer de uma magia fora do meu tempo.

Hoje, a avalanche turística permanente fez desaparecer grande parte dessa magia, mas há um encanto que permanece e faz desejar voltar a Veneza, sempre.

Termino com mais 3 vistas de Veneza pelo pincel mágico de Canaletto.

Canaletto - 1728

Canaletto - 1732 b

Canaletto - 1732

Partilhar:

  • Tweet
  • Carregue aqui para enviar por email a um amigo (Abre numa nova janela) E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • Clique para partilhar no WhatsApp (Abre numa nova janela) WhatsApp
  • Pocket
  • Clique para partilhar no Telegram (Abre numa nova janela) Telegram
Gosto Carregando...

Visitas ao Blog

  • 2.348.941 hits

Introduza o seu endereço de email para seguir este blog. Receberá notificação de novos artigos por email.

Junte-se a 894 outros subscritores

Página inicial

  • Ir para a Página Inicial

Posts + populares

  • As três Graças - escultura de Canova e um poema de Rufino
  • Pelo Natal com poemas de Miguel Torga
  • Fernando Pessoa - Carta da Corcunda para o Serralheiro lida por Maria do Céu Guerra

Artigos Recentes

  • Sonetos atribuíveis ao Infante D. Luís
  • Oh doce noite! Oh cama venturosa!— Anónimo espanhol do siglo de oro
  • Um poema de Salvador Espriu

Arquivos

Categorias

Site no WordPress.com.

Privacy & Cookies: This site uses cookies. By continuing to use this website, you agree to their use.
To find out more, including how to control cookies, see here: Cookie Policy
  • Subscrever Subscrito
    • vicio da poesia
    • Junte-se a 894 outros subscritores
    • Already have a WordPress.com account? Log in now.
    • vicio da poesia
    • Subscrever Subscrito
    • Registar
    • Iniciar sessão
    • Denunciar este conteúdo
    • Ver Site no Leitor
    • Manage subscriptions
    • Minimizar esta barra
 

A carregar comentários...
 

    %d