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Dificilmente ao nome de Afonso Duarte associaremos uma poesia erótica. Não conhecendo, ou conhecendo superficialmente a sua poesia, o erotismo será algo que não pensaremos lá encontrar.
Não será bem assim, ainda que poucos sejam os poemas em que as alegrias do corpo se manifestam.
É sobretudo nos poemas agrupados em Ritual do Amor que uma aproximação ao erotismo na sua poesia se poderá fazer. São poemas escritos por volta de 1912, quando o poeta tinha 28 anos, e da vida talvez já conhecesse os prazeres. No entanto, o gozo do corpo aparece nesta recolha consideravelmente matizado.
Canção do Nu, o poema que aqui trago, foi incluído nesta recolha na sua edição de 1929, quando o poeta reuniu em Os 7 Poemas Líricos o conjunto da sua poesia publicada em livro e a que entretanto tinha surgido em revistas ou se encontrava inédita. Este poema foi publicado no nº 9 da revista Contemporânea em 1923
O poeta esteve sem publicar poesia quase vinte anos, entre 1929 e 1947. Nesse ano publicou Ossadas. E com este livro inicia-se uma espécie de 2ªparte da sua produção poética. É sobre esta poesia que as apreciações críticas abundam, afinando todas pelo elogio justíssimo.
Deixo aqui, porque sintética e clara, uma apreciação de Manuel Alegre, retomando em grande parte o que escreveram Carlos de Oliveira e João José Cochofel na primeira edição da Obra Poética de Afonso Duarte em 1956.
Na primeira parte da obra poética de Afonso Duarte, reunida em Os 7 Poemas Líricos, é a natureza que se faz presente, e o canto das coisas simples, e de alguma maneira essenciais, na vida dos homens.
De Romanceiro das águas, recolha cheia de uma poesia cristalina regando a natureza e o viver, destaco Águas Passadas
“Interroguei as águas caudalosas / Sobre o que seja esta ânsia de viver; – Viver? É a vida sempre em despedida”.
Ou então de O Cântaro de Barro de onde nos sai:
“ Da terra mãe fiz o vaso / que bastasse à minha sede … E como sabia amar, / A gosto de rapariga, … foi cheio do gosto dela / Que eu me dei a modelar”
e mais à frente temos o cântaro:
“ Ora vede/ … / Se não é o corpo dela / Da cintura para cima?/ E em ar de dança do Povo / Os braços ergue à cabeça;”
Continuava as citações pelo Rimance que se segue, todo ele a merecer destaque, mas o espaço do artigo e paciência do eventual leitor têm limites, por isso termino com este Vitral, soneto/imagem de adolescente desejada – Seu corpo esguio, uma anfora com fala:
Vitral
Franzina, é como um choupo à luz da Lua;
É a noite escura o seu olhar de mágoa.
Uma ogiva os seus braços quando amua,
Modelo foi dos cantarinhos de água.
Dizem os seios que a farão mãezinha;
Oh! Que linda menina casadoira!
São os seios da virgem donzelinha,
Dois novelos saltando à dobadoira.
Seus lábios, duas pétalas de rosa;
Abrem as rosas como a boca enlaça…
Em beijo a boca é uma flor ciosa.
Num lago a Lua: o seu andar embala;
São suas mãos às que eu imploro a graça,
Seu corpo esguio, uma ânfora com fala.