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Amor é um arder que não se sente – Soneto do Abade de Jazente

27 Sábado Dez 2014

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Abade de Jazente, Camões

Iluminura 24 500pxRespondendo ao soneto de Camões “ Amor é fogo que arde sem se ver”, escreveu o Abade de Jazente a sua visão de amor.

Bem longe está daquela doce sensação camoniana de nunca contentar-se de contente.  É antes uma leitura pesarosa e sofredora do amor, diferente daquele contentamento descontente mas pelo contrário – É um não acabar sempre penando/ É um andar metido em mil tormentos.

Pobre Abade que assim o sentiu:

 

Amor é um arder que não se sente,

É ferida que doi e não tem cura,

É febre que no peito faz secura,

É mal que as forças tira de repente.


É fogo que consome ocultamente,

É dor que mortifica a criatura,

É ansia a mais cruel, a mais impura,

É fragoa que devora o fogo ardente.


É um triste penar entre lamentos,

É um não acabar sempre penando,

É um andar metido em mil tormentos.


É suspiros lançar de quando em quando,

É quem me causa eternos sentimentos,

É que me mata e vida me está dando.

 

Vale a pena comparar os sonetos verso a verso e perceber onde acontece a mudança do sentir e como a música das palavras o transmite:

 

Camões /     Abade de Jazente

 

Amor é fogo que arde sem se ver;  /  Amor é um arder que não se sente,

É ferida que dói e não se sente;  /  É ferida que doi e não tem cura,

É um contentamento descontente;  /  É febre que no peito faz secura,

É dor que desatina sem doer;  /  É mal que as forças tira de repente.


 

É um não querer mais que bem querer;  /  É fogo que consome ocultamente,

É solitário andar por entre a gente;  /  É dor que mortifica a criatura,

É nunca contentar-se de contente;  /  É ansia a mais cruel, a mais impura,

É cuidar que se ganha em se perder;  /  É fragoa que devora o fogo ardente.


 

É querer estar preso por vontade;  /  É um triste penar entre lamentos,

É servir a quem vence, o vencedor;  /  É um não acabar sempre penando,

É ter com quem nos mata lealdade.  /  É um andar metido em mil tormentos.


 

Mas como causar pode seu favor  /  É suspiros lançar de quando em quando,

Nos corações humanos amizade,  /  É quem me causa eternos sentimentos,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?  /  É que me mata e vida me está dando.


 

Ao comparar   “Amor é fogo que arde sem se ver” e  “Amor é um arder que não se sente” o Abade fica irremediavelmente para trás na imagem que abrasa o coração amante.

Em todo o soneto lemos o contraste entre o génio e o ofício, ainda que a visão tragificada que o Abade tem do amor seja convincentemente transmitida ao leitor. Mas trata-se de uma criação por decalque e não invenção original.

Apenas no último verso do soneto do Abade de Jazente, aquele  “É que me mata e vida me está dando.” , o Abade chega às alturas do seu modelo, o que não é pouco. Somente aí vemos expressar o que para Camões é a natureza do amor, aquela permanente oscilação entre contrários que percorre todo o seu poema.

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Os sonetos a Nize do Abade de Jazente

23 Sexta-feira Maio 2014

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Abade de Jazente, Jean Frederic Schall, Paulino Cabral de Vasconcelos

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Aparte algumas aventuras galantes de que deixou eco na sua poesia, terá Paulino Cabral de Vasconcelos (1719-1789), Abade de Jazento  tido paixão por uma Nize, cujas vicissitudes podemos seguir através de variados sonetos reunidos na sua obra.

 

Sendo Nize um nome convencional na poesia portuguesa do século XVIII, os variados poemas dedicados a uma Nize podem sê-lo às mais variadas mulheres. Lendo os sonetos dedicados pelo Abade de Jazente a Nize, estes parecem ser dedicados sempre à mesma mulher. Acrescenta esta convicção a carta onde explicitamente menciona esta sua paixão ao amigo a quem escreve num momento de melancolia.

 

Nestes sonetos seguimos as vicissitudes de uma relação, desde o ardor inicial da paixão à indiferença e despedida.

 

Os sonetos encontram-se disseminados ao longo da obra publicada, sem indicação de data. Apenas o assunto permite introduzir alguma cronologia, o que vamos tentar na sequência da sua transcrição.

O elevado número de sonetos com Nize como pretexto, torna incomportável com o formato do blog a transcrição da totalidade. Vejamos, por isso, algumas etapas principais desta paixão:

 

*

Eu como, eu bebo, eu durmo, e sem receio

Do que há de vir a ser, a vida passo,

Ora de Nize no gentil regaço,

Ora das Musas no sonoro enleio.

 

Às vezes pesco, às vezes jogo, ou leio,

E torres vãs também no vento faço;

Depois me vou meter naquele espaço,

Onde Descartes tinha o seu passeio.

 

De lá mil orbes vejo, e de improviso

Soltando ao pensamento as vagas velas,

Turbilhões de cristal sem medo piso.

 

E pondo-me por cima das estrelas,

Descubro a terra em baixo, e me dá riso

Contemplando do mundo bagatelas.

 

**

Enxuga o pranto ó Nize; e sossegado

Afouta mostra o rosto belo à gente;

Que um sucesso no mundo tão frequente,

Não deve ser por ti tão lamentado.

 

Tinha de ser: torne-se a culpa ao fado:

Tudo se esqueça, e viva-se contente;

Que em parte se confessa delinquente,

Quem não sabe ocultar o seu cuidado.

 

Não tens que recear; que à mocidade

Se perdoa um descuido; e sendo bela,

Até se lhe disfarça uma maldade.

 

A honra é nome vão, que só disvela

As rústicas vilãs: e a Nize idade

Toma os casos de amor por bagatela.

 

***

Vinde cá doces musas, que somente

Divertir-me convosco agora intento,

Pois neste solitário apartamento

Não é fácil sem vós viver contente.

 

Ao doce som da cítara cadente

Daremos aos penhascos sentimento,

Pulsando vós harmónico instrumento,

E eu cantando o mal, que o peito sente.

 

Tocai qu’eu principio: uma saudade

Expressada nas frases d’harmonia,

Compaixão às montanhas persuade.

 

Mas ah! Quanto me engana a fantasia;

Pois movendo os penedos à piedade,

Mover não sei de Nize a rebeldia.

 

****

Eu que cantei na verde mocidade

Essa ardente paixão, que amor se chama;

Que a tanto homem de bem, que a tanta Dama,

Tira o repouso, e rouba a liberdade:

 

Que cantei desse Nume sem piedade

As setas, o carcás, e aquela chama,

Que abrasa aos Sábios, que os heróis inflama;

Que acende até no trono à Magestade:

 

Eu que da bela Nize o génio inquieto

Quis me servisse no verdor dos anos

Aos versos meus de principal objecto;

 

Eu, conduzido enfim dos próprios danos,

Mudei de assunto, e em vez de um louco afecto

Canto agora as lições dos desenganos.

 

Poemas transcritos de Poesias, texto integral da 1ªedição, INCM, Lisboa 1985.

 

A imagem de abertura respeita a uma pintura de Jean Frederic Schall (1752-1825).

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A carestia da vida num soneto do Abade de Jazente e algum filosofar poético

30 Sexta-feira Set 2011

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Abade de Jazente, Paulino Cabral de Vasconcelos

Há longo tempo ausente do blog, a poesia do século XVIII, ei-lá que regressa pela voz de Paulino Cabral de Vasconcelos (1719-1789), Abade de Jazente, numa moderada sátira em forma de soneto, à carestia da vida

A trinta e cinco reis custa a pescada:

O triste bacalhau a quatro e meio:

A dezasseis vinténs corre o centeio:

Do verde a trinta reis custa a canada.

 

A sete, e oito tostões custa a carrada

Da torta lenha, que do monte veio:

Vende as sardinhas o galego feio

Cinco ao vintém; e seis pela calada.

 

O cujo regatão vai com excesso,

Revendendo as pequenas iguarias,

Que da pobreza são todo o regresso.

 

Tudo está caro: só em nossos dias,

Graças ao Céu! Temos em bom preço

Os tramoços, o arroz e as Senhorias.

Não só a carestia da vida é objecto de meditação do poeta.

Expandindo a reflexão à interrogação sobre o sentido da vida temos a pergunta:

De que serve o viver, se tanto custa?

desenvolvida neste soneto:

De que serve o viver, se tanto custa?

É toda uma tormenta a nossa idade;

Louca na infância, vâ na mocidade,

E cheia de aflições na mais robusta.

 

Um chora, outro lamenta, outro se assusta

Da fortuna à mais leve tempestade;

E se chega a velhice, é sem piedade

Submetida ao rigor da sorte injusta.

 

Parece que por seu divertimento

O Céu nos faz penar, inda que santo,

Sem nos deixar de alívio um só momento.

 

Valha-nos Deus! Se toda a vida é pranto,

Se acaba só na morte o seu tormento,

De que serve viver, se custa tanto?

Não fica por aqui a meditação do poeta consubstanciada naquele Valha-nos Deus! Se toda a vida é pranto,

e vamos agora ao encontro dos motivos porque Tormento é toda a vida, é toda enganos:

Sem causa a infância ri, sem causa chora:

Incauta se despenha a mocidade;

Sacode o jugo, e nela a liberdade,

A caça, o jogo, o amor, tudo a namora.

 

Das honras o varão se condecora;

Tudo é nele ilusão, tudo vaidade:

Junta tesouros a avarenta idade;

Diz mal do nosso, e ao tempo andado adora.

 

Tormento é toda a vida, é toda enganos:

Quando uns afectos vence a novos corre,

E tarde reconhece os próprios danos:

 

Porque enfim se a prudência nos socorre,

Ditada na lição dos longos anos,

Quando se sabe, então é que se morre.

Mas eis que uma pulga põe fim a tanta filosofia:

Às vezes se não durmo, o pensamento

Deixando o corpo sobre a cama quente,

Me leva mais ousado, que prudente,

Dos astros a medir o movimento.

 

Peso, calculo, meço, e observo atento,

Quantos globos encerra o Céu luzente:

Contemplo os turbilhões, e finalmente

Me transporto até sobre o firmamento.

 

Descartes lá descubro: e nesse espaço,

Que existência só tem na fantasia,

Também meus orbes risco, e mundos faço.

 

E eis que vem com mais certa geometria

Uma pulga, e me morde no cachaço;

Vou-me arranhar; e adeus filosofia.

Nota e noticia bibliográfica:

Nesta pequena visita à obra de Paulino Cabral de Vasconcelos, aproveito para transcrever o PROLOGO que acompanha o 1º volume das Poesias na sua 1ªedição, volume onde todas as poesias aqui transcritas se encontram, e que o moderno editor da obra, em 1983, para a INCM, achou por bem não transcrever.  Por outro lado, melhor teria andado esse editor se tivesse poupado à posteridade o comentário que antepôs á referida edição e que titulou: A INSIGNIFICÂNCIA DO ABADE DE JAZENTE.

Quando li este título pensei tratar-se de uma ironia a acompanhar alguma poesia do Abade. Mas não, leva-se a sério e expende das páginas 9 a 27 da referida edição INCM as considerações que melhor fizera guardar para si. Para terdes uma ideia sobre que fala o organizador, depois de circundar vastas matérias, remata a sua conversa com o seguinte parágrafo:

A insignificância do Abade de Jazente pressente-se na monotonia com que uma perspectiva de fim de discurso é entrevista: ele mostra-nos, como algumas décadas depois a gramática histórica iria mostrar, que as palavras também morrem. Mas porque no-lo mostra quando escreve, contenta-nos com o espectáculo das palavras antes de morrer.

Valha-nos a poesia!

Vamos então ao prometido PROLOGO do editor da obra em 1786, Bernardo Antonio Farropo.

PROLOGO

O Merecimentp, que se encontra nos excellentes versos do Paulino Cabral de Vasconcellos, Abbade de Jazente, e a controversia exquisita com Theodoro de Sá Coutinho, me picou a curiosidade de ajuntar as suas obras. Truncadas, e dispersas eu mendiguei com indizivel trabalho tão bellas composições: e com igual difficuldade persuadi a seu Author a que as reconhecesse, e em partes retocasse as informes, e erradas copias, que as desfiguravaõ.

Appeteci ultimamente adornar a minha estante com a estampa deste genio raro: e bem que alguns Sonetos admiraveis se excluiraõ da collecçaõ; em a fazer pública eu me persuado, que lisongearei aos curiosos de bom gosto, e darei gloria á nossa Patria neste seu Alumno.

Conservei a ortografia original.

Os sonetos foram retirados do primeiro volume das Poesias de Paulino Cabral de Vasconcelos, Abbade de Jazente, publicadas no Porto, na Officina de Antonio Alvarez Ribeiro no anno de 1786, com licença da Real Mesa Censória.

Modernizei a ortografia, retirei a maiúscula a alguns substantivos, e conservei a pontuação embora esta pareça um pouco anacrónica hoje, mas não dificulta a leitura.

As poesias do Abade de Jazente foram publicadas em 1ªedição em 2 volumes, tendo o 2º volume sido publicado um ano mais tarde, em 1787, e é hoje raríssimo.

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