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bijinga, Edo, Goyō Hashiguchi, Hashimoto Takako, Inahata Teiko, Katsura Nobuko, Mitsuhashi Takajo, shin-hang, Takeshita Shizunojo, Torii Kotongo, Uda Kiyoko, ukiyo-e, Yoshino Yoshiko
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Como quem remenda
peúgas, remendo a mente
e prossigo a vida.
A partir das versões de Haiku japoneses recriados em português por Luísa Freire (ver nota bibliográfica), escolho alguns poemas onde para além do tempo e lugar, uma infinita melancolia passa, e é apenas sentida porque se é humano e as circunstâncias da vida a desencadeiam. São poemas escritos na primeira metade do século XX, e por detrás deles vive a conturbada história do Japão nesse meio século.
Na conhecida multiplicidade de leituras que cada poema permite, lemos quase sempre o contraste entre as vicissitudes do eu e a indiferente vida da natureza, ou então as disposições do espírito sublinhadas por aspectos do mundo natural.
Não têm qualquer ligação com as pessoas das poetisas, as imagens que acompanham os poemas. Representam jovens que, sem dificuldade, podemos associar à vivência das emoções que os poemas destilam.
Takeshita Shizunojo (1887-1951)
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Meu marido partiu —
flocos de neve e céu azul
nesta Primavera.
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Cheirando a suor,
aquele povo sem voz —
vou juntar-me a eles.
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O forte nevão —
morro, sem ter descoberto
outras mãos que as do marido.
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Uma lua
e um lago gelado
reflectem-se um ao outro.
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Num dia de neve,
meu corpo no banho — amo tudo,
da cabeça aos pés.
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Folhas a cair,
Folhas e folhas caindo
também na minha cama.
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Ali o balão
insuflado de tristeza,
subindo no ar.
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Suas vidas duram
só enquanto estão a arder —
mulher e pimenta.
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Pelo gelo fino
minha sombra a deslizar
até que mergulha.
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Noite de Natal —
desde quando esta tristeza
por estar casada?
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Dois seios entre os ombros
e esta melancolia —
a chuva sem fim.
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Neve na janela —
um corpo faz a água quente
vazar da banheira.
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Como se a felicidade
esperasse o novo ano
pelo calendário!
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Murmúrio das ondas
a que os narcisos do campo
não dão atenção.
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Aperto nos braços
a alma, os seios e tudo o mais
ao chegar Outono.
Nota bibliográfica
in O Japão no Feminino II, Haiku, séculos XVII a XX, Assírio & Alvim, Lisboa, 2007.
Organização e versão portuguesa de Luísa Freire, recriadas a partir da versão em inglês de Makoko Ueda, Haiku by Japanese Women: Far Beyond the Field, Columbia University Press, 2003].
Acompanham os poemas imagens de detalhes de gravurs japonesas do século XX conhecida como shin-hanga, de dois dos seus artistas mais representativos, Goyō Hashiguchi (1880-1921), o iniciador do movimento de revivalismo da ukiyo-e do período Edo, e Torii Kotongo (1900-1976), mostrando belas mulheres (bijinga).
A mestria técnica na capacidade de fazer o desenho transmitir emoção, aliada à expressividade que se desprende do rosto e atitudes destas belas mulheres, fazem destas gravuras obras-primas do retrato.
Olá, muito bom. Precisava muito desse livro, sabe onde posso comprar, ou se existe e-book? Muito obrigado.
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