Ao ler alguns poemas do livro O Ilimitável Oceano de Eugénio Lisboa (1930), ocorre-me a expressão com que o filósofo Immanuel Kant (1724-1804) deu formulação definitiva à radical diferença entre o eu que pensa e o mundo que nos envolve, no epílogo da sua Crítica da Razão Prática:
“Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexão: O céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim.”(*)
E de sempre, é na aproximação do eu ao mundo que a humanidade reflecte em cada criação cultural, procurando a ligação que permita integrar o indivíduo nessa envolvente que, estranha, surge tanto bela e amistosa, como hostil.
Nos poemas que a seguir transcrevo é dessa interrogada perplexidade que se fala, aqui no questionamento do homem no cosmos levado a cabo por alguns astrólogos famosos, e que moldaram por gerações o pensar de como a humanidade via o seu lugar no universo.
No túmulo de um Astrónomo
Amei demasiado as estrelas
do céu nu que percorri a dedo,
para que a noite, onde brilham, belas,
em mim seja surto de algum medo.
Ptolomeu
Como todos, sou mortal:
minha vida é um dia.
Mas quando sigo, fatal,
no céu que nos alumia,
a multidão das estrelas,
sinto, deslumbrado nelas,
meus pés, do chão, levantar.
Copérnico
O céu que viste era o céu
de Ptolomeu. Mas diferente
foi a forma de o olhar.
No modo de julgar, teu,
a Terra, astro movente,
demitiu-se de pensar
que era o centro do mundo:
assim ver, que abalo fundo!
Kepler
O mundo próximo, à volta, apodrece.
Fome, mortal conflito e pestilência
turvam o dia que mal amanhece.
Segura-se à pureza da ciência:
o curso aparente das estrelas,
seguindo matemática divina,
deriva, das rigorosas tabelas
do vasto cosmo, a curva sibilina.
Poemas transcritos de O Ilimitável Oceano, Quasi Edições, Março de 2001, Vila Nova de Famalicão.
O livro O Ilimitável Oceano faz, em curtos poemas, uma reflexão sintética sobre a obra singular de alguns génios, partindo da criação do mundo e concluindo com o pós apocalipse nuclear. Leitura evidentemente simplista da complexa relação entre a vida da humanidade e o conhecimento científico, é tão só ponto de partida para a reflexão sobre os limites e consequências da investigação científica, algo que deverá, evidentemente, ser procurado noutro lugar.
(*) in Immanuel Kant, Crítica da Razão Prática, tradução de Artur Morão, edições 70, Lisboa, 1986.