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A poesia, na miríade de cintilações que consegue provocar nas palavras, tem uma espécie de epítome na versão de Augusto de Campos do soneto de Paul Valery (1871-1945) La Dormeuse, A Adormecida em português. Pela palavra, nele lemos magia e encanto associados na contemplação da bela adormecida:


Tua forma ao ventre puro, que veste um fluido braço,
Vela. Tua forma vela, e meus olhos: abertos.

A adormecida

Que segredo incandesces no peito, minha amiga,
Alma por doce máscara aspirando a flor?
De que alimentos vãos teu cândido calor
Gera essa irradiação: mulher adormecida?

Sopro, sonhos, silêncio, invencível quebranto,
Tu triunfas, ó paz mais potente que um  pranto,
Quando de um pleno sono a onda grave e estendida
Conspira sobre o seio de tal inimiga.

Dorme, dourada soma: sombras e abandono,
De tais dons cumulou-se esse temível sono,
Corça languidamente longa além do laço,

Que embora a alma ausente, em luta nos desertos,
Tua forma ao ventre puro, que veste um fluido braço,
Vela. Tua forma vela, e meus olhos: abertos.

1920

Tradução de Augusto de Campos (1931).
Poema publicado em LINGUAVIAGEM, Editora Schwarcz, S. Paulo, 1987.

 

 

Poema original de Paul Valery (1871-1945)

 

La Dormeuse

Quels secrets dans mon coeur brûle ma jeune amie,
Âme par le doux masque aspirant une fleur?
De quels vains aliments sa naïve chaleur
Fait ce rayonnement d’une femme endormie?

Souffles, songes, silence, invincible accalmie,
Tu triomphes, ô paix plus puissante qu’un pleur,
Quand de ce plein sommeil l’onde grave et l’ampleur
Conspirent sur le sein d’une telle ennemie.

Dormeuse, amas doré d’ombres et d’abandons,
Ton repos redoutable est chargé de tels dons,
Ô biche avec langueur longue auprès d’une grappe,

Que malgré l’âme absente, occupée aux enfers,
Ta forme au ventre pur qu’un bras fluide drape,
Veille; ta forme veille, et mes yeux sont ouverts.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura do pintor húngaro Pandy Lajos (1895-1957), Nu reclinado.