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Retomo uma vez mais o envelhecimento e o amor, dando conta desta circularidade que envolve a humanidade: amamos novos, a idade avança, e o amor transforma-se, desafiando-nos a uma aprendizagem constante do outro. A vida que o amor viveu é sempre outra quando o amor se vive. Não há repetições nem efeitos miméticos, apenas desafios no aconchegarmos-nos ao outro que agora é, e nos enche a alma.
Isto, sabido com a idade, nunca está presente nos começos de uma relação, quando apenas o esplendor do agora funciona como ignição, e justamente nos vem lembrar Murilo Mendes (1901-1975) no poema O namorado e o tempo.

 

 

 

O namorado e o tempo

 

O namorado contempla
o corpo da namorada
vê o corpo como está,
não vê como o corpo foi
nem com o corpo será.

Se aquele corpo amanhã
mudar de peso, de forma
mudar de ritmo e de cor,
o namorado, infeliz,
vai sofrer mesmo demais:
não calculou o futuro,
a mulher quebrou o encanto,
ele só vê a mulher
no momento em que a vê.

 

 

Trata-se de um poema sobre o óbvio que permanentemente esquecemos: o efémero da aparência física de cada um, e o implícito desejo da sua imutabilidade quando a atracção estética é o motor. Se o amor acontece, o encanto não se perde, apenas se transforma.

 

 

Poema transcrito de 366 poemas que falam de amor, antologia organizada por Vasco Graça Moura, Quetzal editores, Lisboa, 2003.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Fernando Botero (1932).