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Abro ao acaso a antologia Rosa do Mundo: apenas um poema por poeta, de tempos imemoriais ao século XX, num percurso pelo mundo. Sem enquadramentos literários ou considerações avulsas sobre o seu significado, tão só a força da poesia ao encontro do leitor.
Do acaso de hoje trago o poema As Portas de Ruth Fainlight (1931) em tradução de Ana Hatherly.
As Portas
Há o trabalho de dar à luz.
Já o conheci — às vezes
lembro até o esforço de nascer.
Para vir está ainda
o trabalho de deixar a vida. Vi como é difícil
para alguns, enquanto outros,
que estavam presentes num momento
a seguir desapareceram. Passei
a porta da carne. Agora, a espera — quanto ainda? —
para aprender a última tarefa
antes de atravessar a porta da terra.
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Anna Margit (1913-1991).
Belíssima ilustração, para um poema certeiro!
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Obrigado pelo comentário e pelo estímulo para continuar que ele significa.
Leio agora, com saboreada demora, o seu último livro de poemas, poemas com endereço, edição Mariposa Azul, Lisboa, Dezembro de 2015.
Ler:
não quero intensidade
quero leveza
palavras
que me lavem os olhos
como gotas macias
palavras
que me adormeçam
afastando
este cansaço dos dias
São poemas com uma intensidade emocional invulgar a que a concisão do verso acrescenta a dimensão da mais lídima poesia (e os HAIKAI de abertura são paradigmáticos). A pretexto do poema deste artigo transcrevo agora outro poema do livro:
Morrer
é voltar para casa
aquela casa da infância
onde a cozinha era grande
a cozinheira ralhava
e lá fora o jardim
ainda maior
chamava…
Termino com um aplauso ao poema OS ABUTRES, dedicado ao Herberto Hélder, in memorian, pela justeza da sua parte I, agora que se anuncia a publicação dos inéditos do espólio.
Obrigado, e até breve.
Carlos Mendonça Lopes
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