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O melhor que posso desejar aos outros resume-se a que cada um possa sentir e exclamar para si “Ich habe genug!” [Eu tenho o bastante!].
E este “bastante”, como é diferente para cada um de nós! Afinal, é a sua procura que nos faz viver. Se para uns, movidos por um insaciável desejo, não há “bastante” como escreve Amândio César (1921-1987) no poema Tudo abaixo transcrito:
— Oh felicidade que baste, / Que nunca bastas de mais!
para outros, poderá ser tão só a concretização da espera que o poema de Raul de Carvalho (1920-1984) descreve, e mais à frente transcrevo:
Meu coração tumultuoso aguarda / A paz da tua vinda.
Estendendo a conversa da poesia à música, refiro que Ich habe genug é também um verso da Cantata BWV 82 de J. S. Bach (1685-1750) do mesmo nome, para voz baixo solista, oboé d’amore, cordas, e baixo continuo, e é de todas as mais de 200 cantatas que J. S. Bach escreveu, a minha preferida, sobretudo na interpretação de Max van Egmond, com uma orquestra barroca dirigida por Franz Bruggen, e pode ser ouvida no YouTube.
Tudo
E em surdina chegaste
E em surdina te vais:
— Oh felicidade que baste,
Que nunca bastas de mais!
E eu queria que ficasses,
De tal maneira ficada,
Que nunca mais me trocasses
— Por nada!
Amândio César, in Saudade de Pedra, 1949.
Poema
Perto de mim
E a cada instante
Nasces.
Meu coração tumultuoso aguarda
A paz da tua vinda.
Adivinho-te perto
Ou cada vez
Mais longe?
Pergunto a Deus o que é que nos separa.
A luz confere
À forma do teu rosto
A extrema e fina formosura
De espiga quebrada.
Nas mãos de Deus deponho
Força e fraqueza, erro e temor, morte e orgulho.
Raul de Carvalho, in Realidade Branca, 1968.