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Fra Filippo LIPPI - Natividade fresco da Catedral de Spoleto 1467-69 BO melhor que posso desejar aos outros resume-se a que cada um possa sentir e exclamar para si “Ich habe genug!” [Eu tenho o bastante!].

E este “bastante”, como é diferente para cada um de nós! Afinal, é a sua procura que nos faz viver. Se para uns, movidos por um insaciável desejo, não há “bastante” como escreve  Amândio César (1921-1987) no poema Tudo abaixo transcrito:

— Oh felicidade que baste, / Que nunca bastas de mais!

para outros, poderá ser tão só a concretização da espera que o poema de Raul de Carvalho (1920-1984) descreve, e mais à frente transcrevo:

Meu coração tumultuoso aguarda / A paz da tua vinda.

Estendendo a conversa da poesia à música, refiro que Ich habe genug é também um verso da Cantata BWV 82 de J. S. Bach (1685-1750) do mesmo nome, para voz baixo solista, oboé d’amore, cordas, e baixo continuo, e é de todas as mais de 200 cantatas que J. S. Bach escreveu, a minha preferida, sobretudo na interpretação de Max van Egmond, com uma orquestra barroca dirigida por Franz Bruggen, e pode ser ouvida no YouTube.

 

Tudo

 

E em surdina chegaste

E em surdina te vais:

 

— Oh felicidade que baste,

Que nunca bastas de mais!

 

E eu queria que ficasses,

De tal maneira ficada,

Que nunca mais me trocasses

 

— Por nada!

 

Amândio César, in Saudade de Pedra, 1949.

 
Poema

Perto de mim

E a cada instante

Nasces.

 

Meu coração tumultuoso aguarda

A paz da tua vinda.

 

Adivinho-te perto

Ou cada vez

Mais longe?

 

Pergunto a Deus o que é que nos separa.

 

A luz confere

À forma do teu rosto

 

A extrema e fina formosura

De espiga quebrada.

 

Nas mãos de Deus deponho

Força e fraqueza, erro e temor, morte e orgulho.

 

Raul de Carvalho, in Realidade Branca, 1968.