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Há na poesia de Luiza Neto Jorge (1939-1989) uma elucidação dos sentidos e da sua força vital tornando evidente como e quanto comandam a vida. Numa sofisticada linguagem poética onde o requinte da língua se apura, sucedem-se os poemas repassados de uma objectividade sem concessões a qualquer lirismo edulcorado, tornando a sua leitura frequentemente compulsiva.
Transcrevo hoje em jeito de ilustração o poema O Corpo Insurrecto, publicado pela primeira vez no livro Terra Imóvel, Portugália, Lisboa, 1964.
O Corpo Insurrecto
Sendo com o seu ouro, aurífero,
o corpo é insurrecto.
Consome-se, combustível,
no sexo, boca e recto.
Ainda antes que pegue
aos cinco sentidos a chama,
por um aceso acesso
da imaginação
ateiam-se à cama
ou a sítio algures,
terra de ninguém,
(quem desliza é o espaço
para o corpo que vem),
labaredas tais
que, lume, crepitam
nos ciclos mais extremos,
nas réstias mais íntimas,
as glândulas, esponjas
que os corpos apoiam,
zonas aquáticas
onde os corpos boiam.
No amor, dizendo acto de o sagrar,
apertado o corpo do recém-nascido
no ovo solar,
há ainda um outro
corpo incluído,
mas um corpo aquém
de ser são ou podre,
um repuxo, um magna,
substância solta,
com pulmões.
Neste amor equívoco
(ou respiração),
sendo um corpo humano,
sendo outro mais alto,
suspenso da morte,
mortalmente intenso,
mais alto e mais denso,
mais talhado é o golpe
quando o põem em prática
com desassossego na respiração
e o sossego cru de quem,
tendo o corpo nu,
a carne ardida,
lhe pede o ladrão
a bolsa ou a vida.
Transcrito de Luiza Neto Jorge, poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
A imagem a abrir mostra uma pintura de Tom Wesselmann (1931-2004) – Great American Nude No 20, 1961.
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INSTIGANTE!
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