O começo para esta conversa foi uma velha canção dos anos 70 na voz de Roberta Fack, Jesse. A interpretação tem tudo: na voz, o calor do desejo que queima na espera de quem se ama, dito em palavras que dele dão conta:
Jesse come home, there’s a hole in the bed / Where we slep; …,
Esta marca no colchão leva-nos à evocação de momentos felizes que se desejaria repetir. A canção vai por aí fora e eu levo-vos por outro caminho, que não o das vossas eventuais recordações de solidão no leito. Quem vier, vai ao encontro de outras bem mais antigas falas desta mesma dor da espera por um amor que não chega, quando o desejo arde e a cama teima em permanecer fria.
Primeiro, uma Cantiga de Amigo no Cancioneiro Galaico-Português de Juião Bolseiro, poeta provavelmente galego, e activo no terceiro quartel do século XIII, aqui em versão modernizada por Natália Correia:
Sem o meu amigo sinto-me sozinha
e não adormecem estes olhos meus.
Tanto quanto posso peço a luz a Deus
e Deus não permite que a luz seja minha.
Mas se eu ficasse com o meu amigo
a luz agora estaria comigo.
Quando eu a seu lado folgava e dormia
depressa passavam as noites; agora
vai e vem a noite, a manhã demora;
demora-se a luz e não nasce o dia.
Mas se eu ficasse com o meu amigo
a luz agora estaria comigo.
Diferente é a noite quando me aparece
meu lume e senhor e o dia me traz;
pois apenas chega logo a luz se faz.
Vai-se agora a noite, vem de novo e cresce.
Mas se eu ficasse com o meu amigo
a luz agora estaria comigo.
Padres nossos já rezei mais de um cento
implorando Àquele que morreu na cruz
que cedo me mostre novamente a luz
em vez destas longas noites de Advento.
Mas se eu ficasse com o meu amigo
a luz agora estaria comigo.
in Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses, Editorial Estampa, Lisboa, 1970.
O outro poema, bem mais velho cerca de 700 anos, foi escrito por Venantius Fortunatus que viveu no século VI (ca. 540-ca. 600). Nele uma mulher fala de amor assim:
Sem ti, a noite vem com as asas pesadas;
sem ti, mesmo com sol, o dia é escuridão.
a que se acrescenta, em dúbia interpretação, uma nota mística de um conúbio com Cristo, mais tarde amplamente glosado por Santa Teresa de Ávila.
De que forma a linguagem de amor carnal apenas se refere nesta poesia medieval a amores espiritualizados, é matéria que ocupa especialistas. Aos não especialistas fica tão só a emoção que a palavra transmite, e com o nosso sentir joga.
A versão portuguesa é de David Mourao-Ferreira.
A mística donzela
Prostrada, a soluçar, não vejo quem desejo,
e abraço tristemente as pedras contra o peito.
Do esposo privada, aqui, no duro leito,
não o posso abraçar, como era meu desejo.
Oh! Dize-me onde estás! Onde te encontrarei?
Em que terra seguir-te, aí de mim, sempre ignota?
Ou terei de buscar nos astros minha rota
a fim de te alcançar, meu senhor e meu rei?
Sem ti, a noite vem com as asas pesadas;
sem ti, mesmo com sol, o dia é escuridão.
O lírio, a rosa, o nardo, o narciso não são
capazes de florir minh’alma abandonada.
Na esp’rança de te ver, observo cada imagem,
mas amor faz-me errar no alto os olhos vagos.
Chego assim a supor que só ventos pressagos
dirão de meu senhor a exacta paragem…
Quero lavar a lage onde puseres os pés,
co’o cabelo enxugar o solo de teus templos.
Só doçura acharei nos mais duros exemplos
se por fim puder ver, meu senhor, quem tu és…
Carmina, Livro VIII, 3, vv. 227-46
in Vozes da Poesia Europeia I, Colóquio Letras nº163, Lisboa, Jan-Abr 2003.
E agora, num novo salto de cerca de 700 anos em relação ao poema de abertura, a solidão cantada por Roberta Flack em 1971.
Jesse
Jesse come home, there’s a hole in the bed
Where we slept; now it’s growing cold.
Jesse your face, in the place where we lay
By the hearth, all apart, it hangs on my heart
And I’m keeping the light on the stairs
No I’m not scared; I wait for you
Hey Jesse, it’s lonely, come home.
Jesse the floors and the walls, recalling
Your Steps; and I remember too.
All the pictures are fading and shading in grey
But I still set a place on the table at noon
And I’m keeping the light on the stairs
No I’m not scared; I wait for you
Hey Jesse, it’s lonely, come home.
Jesse the spread on the bed,
Is like when you left, and I kept it for you.
And all the blues and the greens have been recently cleaned
And are seemingly new; hey Jesse, me and you
We’ll swallow the light on the stairs
I’ll fix up my hair, and sleep unaware
Hey Jesse, I’m lonely, come home.
..todos passamos por vazios que nos roem a luz .
.não há manhã.nem dia, nem tempo. nem luz ou canto. não há noite nem madrugada. nem riso nem gargalhada.nem vida .nem morte. habito o vazio pleno de abismo. fundo. sem fim,apenas o mar a escorrer-me nos olhos que procuram os teus… e a loucura de me trancar num olhar que não conheço, mas sei. fio clandestino, invisível, que nos entrelaça para além do imaginável.e tudo doí. nesta fome de ti . não há manhã. nem dia. .nem tempo.
Obrigada pela “Jesse”…..já não ouvia há muitooooo tempo !
Obrigada pelo prazer do tempo quando viajo até aqui.
Luna
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