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Regressa a poesia ao blog com Lisboa no olhar e poemas de Sophia.

Nestes dias em que a raiva ameaça explodir, se

Ao virar da esquina de súbito avistamos
Irisado o Tejo:
Então se tornam
Leve o nosso corpo e a alma alada

e talvez por isso, as manifestações percorrem as ruas no sossego de uma indignação comedida, deixando o pasmo no olhar de quem as segue na televisão.

TEJO

Aqui e além em Lisboa – quando vamos
Com pressa ou distraídos pelas ruas
Ao virar da esquina de súbito avistamos
Irisado o Tejo:
Então se tornam
Leve o nosso corpo e a alma alada

Julho de 1994

O sortilégio da cidade a que não resiste quem, vindo do sul,  a vê surgir do cimo das pontes, ou do barco que cruza o rio, conta-o Sophia em LISBOA.

LISBOA

Digo:
“Lisboa”
Quando atravesso – vinda do sul – o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do seu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão noturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas –
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construida ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
– Digo para ver

1977

Os poemas foram transcritos de OBRA POÉTICA, Edição de Carlos Mendes de Sousa, Editorial Caminho, Lisboa, 2011.

Coligem-se pela primeira vez nesta edição poemas dispersos por antologias e revistas. Entre eles surge esta obra-prima, onde a magia da palavra faz a musica do “poema” quase absoluto “Pura paixão que não conhece olvido”:

Oblíquo Setembro de equinócio tarde
Que se alonga e depara e vê e mira
Tarde que habita o estar do seu parado
Sol de Sul pelo sal detido

Assim o estar aqui e o haver sido
Quasi a mesma que sou no tão perdido
Morar aberto de um Setembro antigo
Com o mar desse morar em meu ouvido

Pura paixão que não conhece olvido