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Passados que estão pouco mais de dois anos e meio, é com surpresa e perplexidade que conto 50.000 visitas ao blog. Aventura de incerta regularidade, lida com avidez por alguns, nela persistirei contando e dando conta de prazeres e descoberta onde a teia da cultura se tece.
É a poesia a manifestação primeira, e por excelência, da humanidade que fala e escreve. Antes da escrita, e nas sociedades onde ela foi desconhecida, tal como nas outras que a praticaram e praticam, foi a poesia transmitida entre gerações o veiculo para dar continuidade a uma identidade cultural. Entre nós cabe a Os Lusíadas o papel maior. Desse mosaico por gerações tecido somos hoje herdeiros, e de pequeníssima parte dele vou dando conta no blog.
Entendo a prática da poesia num sentido lato, qual concepção humana do universo, como cosmologia, dando-nos tanto o detalhe pessoal como a visão abrangente do homem na sua circunstância ou ancorado numa tradição ou passado histórico, com isto encerrando em si uma cosmosofia ou sabedoria do mundo.
Num percurso temporal e geográfico abrangente, preenchi o blog procurando afinidades às artes plásticas em leituras ora de continuidade ora de confronto, num desafio que, espero, tenha sido estimulante para alguns.
Não são artigos fáceis, os que aqui escrevo, na medida em que pressupõem a disponibilidade do leitor para procurar noutras fontes o que de pouco claro encontrar. Ao escrever é difícil estabelecer a fronteira entre o que hoje é conhecimento generalizado para as diversas gerações, normalmente adquirido na escola, e aquele conjunto de saberes ou informações que apenas uma atenção curiosa ou direccionada mais tarde adquiriu. Na tentativa de equilíbrio navego.
Dando conta da universalidade que acima referi, transcrevo uma versão em português de um poema cosmogónico atribuído aos Fulani (Mali(?)).
O poema foi publicado a abrir ROSA DO MUNDO, a preciosa e quase enciclopédica antologia de poesia com que Porto Capital Europeia da Cultura em 2001 quis assinalar a sua existência, para nossa eterna gratidão.
(Mito da criação)
No principio existia uma enorme gota de leite.
Então chegou Doondari e criou a pedra.
A pedra criou o ferro;
E o ferro criou o fogo;
E o fogo criou a água;
E a agua criou o ar.
Então Doondari desceu pela segunda vez.
Juntou os cinco elementos
E moldou-os num homem,
Mas o homem era orgulhoso.
Então Doondari criou a cegueira e a cegueira derrotou o homem.
Mas quando a cegueira se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari criou o sono, e o sono derrotou a cegueira;
Mas quando o sono se tornou demasiado orgulhoso,
Doondari criou a preocupação, e a preocupação derrotou o sono;
Mas quando a preocupação se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari criou a morte, e a morte derrotou a preocupação.
Quando a morte se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari desceu pela terceira vez.
E ele veio como Gueno, o Eterno,
E Gueno derrotou a morte.
Tradução de Vasco David