Abri gavetas antigas e da nuvem de pó saiu, não o génio da garrafa de Aladino, mas este Silvestre, o burro doutor.
Como prenda de Natal aos visitantes do blog e um envio especial a uma amiga que anos vai lutou com este burro, sem sucesso, para o verter em inglês, aí fica a sua história, pronta a correr mundo e embalar a ingenuidades de leitores para quem a infância permanece próxima.
SILVESTRE, o burro doutor
Vivia o burro Silvestre
num lugar muito habitado
por imensos animais.
Logo que o dia nascia
começava a sinfonia:
– É burro nunca há-de aprender!
E sempre isto acontecia
mal a cabeça mostrava
à porta do seu quintal.
Bem triste à noite chorava
sem saber o que fazer.
Perguntava então para si:
– Que coisa tenho comigo
que não me deixa aprender?
E assim continuava
um dia e outro a seguir.
Já nem mesmo zurrar queria
para ninguém perceber
que ele por ali andava
e um malvado qualquer
chegar bem perto e gritar
– É burro nunca há-de aprender!
Certo dia quando estava
sentado e em solidão
ouviu uma voz dizer:
– Estuda e vais aprender.
– Será verdade afinal,
pensou de si para si,
se eu estudar com vontade
virei um dia saber?
Em tal hipótese crer
nem sabia se devia,
estudar era difícil
como o iria fazer?
De novo a voz segredou:
– À escola vai perguntar
o que deverás fazer
para poder estudar
e um dia vir a ler.
Com uma enorme coragem
para a escola caminhou.
Ao saber tal novidade
espantam-se os animais
com tamanha presunção
e em grande reinação
disseram todos a rir:
– O burro quer ir à escola,
não querem vocês lá ver.
Vai passear a sacola
fazendo que sabe ler.
O corajoso Silvestre
respondeu-lhes confiante:
– Riam, riam e hão de ver
o que pode a persistência
quando um burro quer saber.
Brincam vocês e eu estudo,
no final vamos ver
qual de nós irá vencer.
Tinha pressa de aprender,
de manhã quando acordava
mal comia só estudava
certo de que chegaria
aquele desejado dia
em que havia de vencer
quem de si escarnecia.
Chegou um dia uma carta
aquela aldeia remota.
Era o rei que convidava
os animais a mostrar
o que sabiam fazer
e ao príncipe ensinar.
Cada um escreveria
numa carta ao seu senhor
o que ensinar poderia
ao príncipe como tutor.
Reúnem-se os animais
vindos dos outros quintais
dizendo o que faziam
e ensinar gostariam.
Então o burro muito sério
diz alta voz a zurrar:
– Ao príncipe vou ensinar
a escrever e a contar.
Estrondosa gargalhada
rebentou da bicharada.
– Ouçam só o disparate
disseram todos à uma,
rindo e brincando com gosto.
Ficou o burro envergonhado
e calou para si o desgosto.
A reunião prosseguiu
com todos os animais
alegremente a escrever
o que sabiam fazer.
Foram cartas para o Rei
dizendo as habilidades
de todos os animais
só de Silvestre, coitado
nenhuma carta seguiu.
Veio o rei em comitiva
visitar aquele lugar
pensando se encontraria
o tutor que ao filho daria.
Vai chegando a bicharada
p´ra reunião frente ao rei.
Este com as cartas na mão
chama alto o seu autor
pedindo-lhe para mostrar
o que bem sabe fazer
e como o vai ensinar.
Todos mostram o melhor
das suas habilidades.
Chegadas ao fim as cartas
olhou o rei em redor
e vendo o burro a espreitar
chama-o com rispidez:
– E a tua carta onde está?
Responde o burro assustado:
– Riram-se estes animais
quando alta voz desejei
ao príncipe vir a ensinar
a escrever e a contar.
É apenas o que sei
e nesta escola aprendi.
– Mostra-me então o que sabes,
diz o rei rindo baixinho.
Afastam-se os animais
para Silvestre passar.
Chegou-se então para o centro
sentando-se em posição.
Fez-se silencio em redor
e Silvestre começou.
Leu, escreveu e contou
e de tão entusiasmado
não resistiu e cantou,
com voz tão bem colocada
que todo mundo encantou
incluindo a passarada.
Ficou muda a bicharada
tal o espanto do que viu
e o rei sem hesitar
ali mesmo decidiu:
– Este será o tutor
e o príncipe aprenderá
como é possível um burro
vir a ser um professor.
É agora bem afamado
e por todos convidado
Silvestre, o burro doutor.
FIM