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Para estreia da poesia de Vinicius de Moraes (1913-1980) no blog escolhi um poema afastado do que da sua poesia nos é familiar através das canções: A Última Elegia.
Poema de estonteante modernidade em 1939, quando foi escrito, este A Última Elegia conta e canta a vertigem da paixão:
… but the morning
Rises, o perfume da madrugada em Londres
Makes me fluid… darling, darling, acorda, escuta
Amanheceu, não durmas… o bálsamo do sono
Fechou-te as pálpebras de azul… Victoria & Albert resplende
Para o teu despertar; ô darling, vem amar
À luz de Chelsea! não ouves o rouxinol cantar em Central Park?
Escrito em português e inglês, a invenção da linguagem necessária à expressão da descoberta percorre o poema num vendaval de emoção:
Há um grande aluamento de micro-erusíferos
Em mim!
Vale a pena ler o que o poeta escreveu sobre este poema quando da primeira edição no livro 5 Elegias em 1943:
Quanto à última, escreví-a de jato, naquele Maio de 1939, em Londres, vendo, do meu apartamento, a manhã nascer sobre os telhados novos do bairro de Chelsea. A qualidade da experiência vivida e o lugar onde a vivi criaram-lhe espontaneamente a linguagem em que se formou, mistura de português e inglês, com vocábulos muitas vezes inventados e sem chave morfológica possível. Mas não houve sombra de vontade de parecer original. É uma fala de amor como a falei, virtualmente transposta para a poesia, na qual procurei traduzir, dentro de sonoridades estanques de duas línguas que me são tão caras e com arranjos gráficos de ordem puramente mnemônica, isso que foi a maior aventura lírica da minha vida.
Junho de 1943.
Despeço-me antes do poema com este belo verso:
O darling, acorda, give me thy eyes of brown,
A ÚLTIMA ELEGIA
PARA TATI
O L
O F E S
R S H E
O O F C A
Greenish, newish roofs of Chelsea
Onde, merencóreos, toutinegram rouxinóis
Forlornando baladas para nunca mais!
O imortal landscape
no anti-climax da aurora!
ó joy for ever!
Na hora da nossa morte et mine et semper
Na minha vida em lágrimas!
uér ar iú
0 fenesnites, calmo atlas do fog
Impassévido devorador das estelúridas?
Darling, darling I listen…
” it is, my soul, it is
Her gracious self!…”
murmura adormecida
É meu nome!…
sou eu, sou eu, Nabucodonosor!
Motionless I climb
the wat
e
r
s
Am I p a Spider?
i
Am I p e a Mirror?
Am I M an X Ray?
No, I’m the Three Musketeers
rolled in a Romeo.
Vírus
Da alta e irreal paixão subindo as veias
Com que chegar ao coração da amiga.
– Alas, celua
Me iluminou; celua me iludiu cantando
The songs of Los; e agora
meus passos
são gatos
Comendo o tempo em tuas cornijas
Em lúridas, muito lúridas
Aventuras do amor mediúnico e miaugente..
So I came
— from the dark bull-like tower
fantomática
Que à noite bimbalha bimbalalões de badaladas
Nos bem-bons da morte e ruge menstruosamente sádica
A sua sede de amor; so I came
De Menáipa para Forox, do rio ao mar — e onde
Um dia assassinei um cadáver aceso
Velado pelas seis bocas, pelos doze olhos, pelos centevinte dedos espalmados
Dos primeiros padres do mundo; so I came
For everlong that everlast — e deixa-me cantá-lo
À voz morna da retardosa rosa
Mornful and Beátrix
Obstétrix
Poesia.
*
Dost thou remember, dark love
Made in London, celua, celua nostra
Mais linda que maré nostrum?
quando early morn’
Eu vinha impressentido, like the shadow of a cloud
Crepitante ainda dos aromas emolientes de Christ Church Meadows
Frio como uma coluna dos cloisters de Magdalen
Queimar-me à luz translúcida de Chelsea?
Fear love..
ô brisa do Tâmisa, ô ponte de Waterloo, ô
Roofs of Chelsea, ô proctors, ô preposterous
Symbols of my eagerness!
— terror no espaço!
— silêncio nos graveyards!
— fome dos braços teus!
Só Deus me escuta andar..
— ando sobre o coração de Deus
Em meio à flora gótica.., step, step along
Along the High. “— I don’t fear anything
But the ghost of Oscar Wilde. ” ô darlingest,
I feared… A ESTAÇÃO DE TRENS.., I had to postpone
All my souvenirs! there was always a bowler-hat
Or a POLICEMAN around, a stretched one, a mighty
Goya, looking sort of put upon, cuja passada de cautchú
Era para mim como o bater do coração do silêncio (I used
To eat all the chocolates from the one-penny-machine
Just to look natural; it seemed to me que não era eu
Any more, era Jack the Ripper being hunted) e suddenly
Tudo ficava restful and worm.. — o siiiiiiiii
Lvo da Locomotiva — leit-motiv — locomovendo-se
Through the Ballad of READING gaol até a visão de
PADDINGTON (quem foste tu de tão grande
Para alevantares aos amanhecentes céus do amor
Os nervos de aço de Vercingetorix?) Eu olharia risonho
A Rosa dos Ventos. S. W. 3. Loeste! no dédalo
Se acalantaria uma loenda de amigo: “I wish, I wish
I were asleep”. Quoth I: — O squire
Please, à Estrada do Rei, na Casa do Pequeno Cisne
Room twenty four! ô squire, quick, before
My heart turns to whatever whatsoever sore!
Há um grande aluamento de micro-erusíferos
Em mim! ô squire, art thou in love ? dost thou
Believe in pregnancy, kindly tell me? ô
Squire, quick, before alva turns to electra
For ever, ever more! give thy horses
Gasoline galore, but do take me to my maid
Minha garota — Lenore!
Quoth the driver: — Right you are. sir
*
O roofs of Chelsea!
Encantados roofs, multicolores, briques, bridges, brumas
Da aurora em Chelsea! ô melancholy!
” I wish, I wish I were asleep. ” but the morning
Rises, o perfume da madrugada em Londres
Makes me fluid… darling, darling, acorda, escuta
Amanheceu, não durmas.. o bálsamo do sono
Fechou-te as pálpebras de azul… Victoria & Albert resplende
Para o teu despertar; ô darling, vem amar
À luz de Chelsea! não ouves o rouxinol cantar em Central Park?
Não ouves resvalar no rio, sob os chorões, o leve batei
Que Bilac deitou à correnteza para eu te passear ? não sentes
O vento brando e macio nos mahoganies? the leaves of brown
Came thumbling down, remember?
“Escrevi dez canções…
… escrevi um soneto…
… escrevi uma elegia.. “
O darling, acorda, give me thy eyes of brown, vamos fugir
Para a, Inglaterra?
“… escrevi um soneto…
escrevi uma carta. “
O darling, vamos fugir para a Inglaterra?
..”que irão pensar
Os quatro cavaleiros do Apocalipse…”
.. escrevi uma ode…”
O darling!
O PAVEMENTS!
O roofs of Chelsea!
Encantados roofs, noble pavements, cheerful pubs, delicatessen
Crumpets,a glass of bitter, cap and gowu… -— don’t cry don’t cry!
Nothing is lost, I’ll come again, next week, I promise thee…
Be still, don’t cry..
… don’t cry…
… don’t cry…
RESOUND
Ye pavements!
— até que a morte nos separe —
ó brisas do Tâmisa, farfalhai!
Ó telhados de Chelsea,
amanhecei!
Também neste poema, longe do recorte clássico de muita da sua poesia, como os sonetos, onde foi grande como poucos no século XX, também aqui, dizia, é o apaixonado Vinicius que ao longo da vida cantou a mulher, os amigos e o amor, quem se mostra todo inteiro na desmesura do seu génio.