Escrever, 1ª tentativa
Fascinou-se a fantasia com fazer correr um dia
palavras sobre o papel.
Surge a frase na ideia como lamina no ar
e corta o papel onde escreve
deixando o sangue a correr nas veias da emoção.
A frase corre pela estrada
fugindo à perseguição do dicionário de frases
apostado em conservar a imaginação ordenada
sem respeito pelo caos
da perfeita criação.
Escrever, 2ª tentativa
Num gesto largo e moscovita
deitou palavras ao vento e deixou o pensamento
correr com elas também.
Encontrou-as numa curva
entre escombros distraídas a pensar no que fazer.
Formaram frases sem nexo
e voaram pelo ar
pousando sobre o papel
em busca de algum sentido.
Foi o som das consoantes ao bater contra a parede
que estragou a harmonia.
Vão presas as consoantes por provocar tal transtorno
enquanto a harmonia procura entre os escombros
a falta que lhe fazia
saber dizer do amor.
Escrever, 3ª tentativa
Entre a sombra e o silêncio
sentada, posta em sossego
repousava a fantasia,
quando de repente um grito
surge em assombro e aflito
escorrega na calçada
húmida de tanto pensar.
Parte então à desfilada
em sobressalto e tremura
para poder discernir
o estado da digestão.
Surge aí o alka-seltzer
e agora a fantasia
corre caminhos do evidente
deixando correr com ela
sem espanto, o trivial.
Morreu pois,
pobre coitada
com o fim da digestão.
Fim