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Num remanso de nadar e ler entretenho estes dias de sol e mar. O tempo sobra e a vontade de escrever recrudesce com consequência directa aqui. Surgem em catadupa os artigos e muito mais fica pelo caminho, pois a reserva de poesia que trouxe comigo não cobre a variedade do que me acorre ao espirito.
Fruto do que me propus ler neste tempo, têm sido sobretudo os poetas espanhóis do século XX os contemplados nas escolhas. Não sendo conhecedor profundo da obra de todos eles, dispenso-me do enquadramento dos poemas no conjunto do que produziram, e que outros referem talvez com propriedade, e associo-os apenas aos acidentes de quotidiano que me levam a considerá-los, tal os dois poemas de Manuel Altolaguirre (1905-1959) que hoje escolho.
São poemas que referem o calendário de uma afeição:
Quando no tempo de sedução e paixão, lê-se em Las Caricias:
Qué música del tacto / Las caricias contigo!
Que música do tacto / As caricias contigo
Vejamos o inicio da coisa pelos caminhos do corpo:
Las Caricias
Qué música del tacto
Las caricias contigo!
Qué acordes tan profundos!
Qué escalas de ternuras,
De durezas, de goces!
Nuestro amor silencioso
y oscuro nos eleva
a las eternas boches
que separam altíssimas
los astros más distantes.
Qué música del tacto
las caricias contigo!
Chegada a Separação encontramos:
Minhas venturas de outrora / com a dor de hoje ali contrastam.
Allí mis pasadas dichas / con mi pena de hoy contrastan.
Que juntos os dois estávamos! / Quem o corpo?Quem a alma?
Qué juntos los dos estábamos! / Quién el cuerpo? Quién el alma?
Numa linguagem de pudor somos levados do calor da paixão à desolação do afastamento:
Nossa ultima despedida, / que morte foi tão amarga!
Nuestra separación última, / qué muerte fue tan amarga!
Leiamos o poema completo:
SEPARACIÓN
Mi soleded llevo dentro,
torre de ciegas ventanas.
Cuando mis brazos extiendo
abro sus puertas de entrada
e doy camino alfombrado
al que quiera visitarla.
Pintó el recuerdo los cuadros
que decoran sus estancias.
Allí mis pasadas dichas
con mi pena de hoy contrastan.
Qué juntos los dos estábamos!
Quién el cuerpo? Quién el alma?
Nuestra separación última,
qué muerte fue tan amarga!
Ahora dentro de mí llevo
mi alta soledad delgada.
E agora a sua tradução por José Bento
Separação
Levo em mim a solidão,
torre de cegas janelas.
Quando meus braços estendo
abro suas portas de entrada
e dou caminho macio
a quem quiser visitá-la.
Pintou a lembrança os quadros
que enfeitam as suas salas.
Minhas venturas de outrora
com a dor de hoje ali contrastam.
Que juntos os dois estávamos!
Quem o corpo?Quem a alma?
Nossa ultima despedida,
que morte foi tão amarga!
Dentro de mim levo agora
a solidão alta e delgada.
Manuel Altolaguirre, poeta integrado pela critica no grupo da geração de 27, foi editor, argumentista do filme de Luis Bunuel, Subida al Cielo, e realizador do que chamou cine-poema sobre El Cantar de los Cantares na versão de Frei Luis de Leon.