Sou um inveterado bebedor de chá, bebo-o aos litros. Não desses chás de fantasia que invadem os cardápios dos lounge cafés da moda, mas o acre, forte e intensamente cheiroso chá preto  vindo do Ceilão/Sri Lanka. Não é fácil encontrá-lo e bebê-lo em locais públicos. Para minha enorme felicidade, nas proximidades do atelier existe uma casa que vende chás, incluindo desta qualidade, o que me faz lá ir quase todas as tardes aviar um bule de chá preparado com qualidade e profissionalismo. Ao quase fenómeno, acrescenta a loja um pátio nas traseiras, paredes meias com uma plantação de couve portuguesa, onde com o bom tempo são oferecidas mesas à sombra para longamente saborear a excelsa bebida. A conotação elitista de beber chá ao lanche e a localização da casa, faz com que muitos dos frequentadores sejam mulheres a quem a terceira idade há muito deixou para trás:

Lembram uvas-passa,

secas, mirradas, às vezes tão doces.

Levantam-se tarde, arranjam-se com vagar

comem uma torrada, um leite, uma papa

e fazem horas para sair

ir ao café, encontrar as amigas

se não chover, talvez olhar um pouco as montras, comprar qualquer coisa.

Chegam com cautelas no andar, passinhos curtos, vacilando,

olham em redor e sentam-se.

Entre longos silêncios conversam de mesa para mesa.

Às vezes, com o adiantar da tarde, juntam-se.

Normalmente apenas tagarelam.

Comentam os políticos, as noticias, a televisão,

distraem-se com os achaques da idade

referem pequenos nadas,

ao fim e ao cabo o que lhes enche os dias.

Vem à memória sobretudo a infância.

Recordam da meninice,

os pais, as brincadeiras, alguma aventura.

Se a conversa se torna intima as recordações saltam e iluminam as faces.

Tempos felizes.

Um vestido, uma cara, uma viagem,

algo que volte à lembrança traz um frémito de novo.

Ainda que seja só vida já vivida não importa,

enche a tarde e ajuda o dia a passar.

A vida deixou-as algures.

O marido morreu, os filhos desertaram,

gente sem tempo, vão-se tornando uma recordação difusa.

Ficou a casa, enorme, vazia.

Sobram recordações

e fazem por se convencer não estar apenas à espera da morte.

Carlos Mendonça Lopes