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Partiu-se em tristeza um olhar — poemas de Salette Tavares

05 Segunda-feira Mar 2018

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Salette Tavares

Salpicada de belos versos, qual este que dá título ao artigo, a poesia de Salette Tavares(1922-1994), nas suas multímodas manifestações, é um permanente desafio a medir o peso de cada palavra na expressão precisa do eu e o mundo.
Muitos dos poemas são poemas de despedida: despedida dos sonhos, despedida do amor, despedida da felicidade entrevista. E neles cada palavra tem a carga dos múltiplos sentidos que a linguagem consegue extrair da vida, dando-lhe a cada momento a significação que as nossas limitações permitem.

 

[Foi tão de ave o meu chegar aqui]

Foi tão de ave o meu chegar aqui
que de ti a mim sem que soubesse
no que de ouvido espanto comovi
posei canto silêncio todo prece.

Pousei e levantei secreta chama
envolta no brasio de teu vinho
contra o crime do céu tu me derramas
silenciosa doçura no caminho.

Chamei por ti, tão solitária eu
sem que me dessem outros mais de mim
e dura espada na hora que bateu
em tua mão segura me acolhi.
3.XI.1959

 

[Sobra-me o que te deste]

Sobra-me o que te deste
             no parado desta hora
olhar largo que me veste
             inquiete brisa demora.

Espreitam anjos insónia
              esquina pedra de sonhos
bordam a sombra que mora
              dura mágoa nos meus olhos.

Abro vidros ao luar
              ponho fora do meu peito
desfolho delas no mar
               navegado do meu leito.

Onda oceano em que me alongo
               grito esguio, uivo inferno
hoje perco o longe onde
               me queimarei desespero.

 

[Morre de ar e suspiro]

Morre de ar e suspiro
                     meu outro cansar de penas
que longo caminho longe
                     esquina o dia de brilho.

Escuto, medito e teço
                       arrasto vagar de panos
mão fugitiva no fio
                      rasgando branco de medos.

Entranço negro cabelos
                       enredo olhos de frio
e no cansaço dos dedos
                       escorre-se a noite rio.
23.X.1959

 

[Para dizer o que dizer não posso]

Para dizer o que dizer não posso
abri-me toda ausência
e embarquei
em seus olhos a flor do meu olhar.

De calma e de sorriso outra me dei
entre dedos doçura
e minha brisa
seus lábios avizinham a beijar.

É o luxo saber do que se ignora
bebendo noite escura,
àquela hora
pelo cabelo expande-se o luar.

 

[De triste o sol me levou]

De triste o sol me levou
à beira da praia verde
colhi seco, beijei pedra
perdi caminho, gemi
poente de sol nascente.

De triste me abandonou
vaga de ar pela serra,
troncos de pinho torcido
fecham penumbra na terra,
ai como choram por mim!

De triste o saibro mostrou
seu grão de terra vermelha
gigante areia centelha
do sangue que simulou
molhou-me a sombra de treva.
16.X.1960

 

[Quando os dias são iguais e tristes]

Quando os dias são iguais e tristes
gosto de beber
para galgar a distância
que me separa do ser.
As veias levam o álcool
e o álcool embebeda-se no tanto que percorre.

Sabendo no corpo os caminhos todos
mistura-lhes o fora
dos quartos
das salas
da paisagem casa
da atmosfera inteira.

Fico tonta de universo,
e vibro               e julgo
que os dias já não são iguais nem tristes.
1.I.1970

 

Poemas transcritos de Salette Tavares, Obra Poética 1957-1971, INCM, Lisboa, 1992.

Esta edição inclui um prefácio de Luciana Stegagno Picchio que que de forma breve dá conta do percurso criativo da autora, e mais relevante, uma penetrante análise de Gillo Dorfles à sua poesia, a qual foi o prefácio da edição italiana do livro LEX ICON.

Encontra o leitor curioso outros poemas de Salette Tavares aqui no blog, nas ligações:

Salette Tavares – uma aproximação

Roupa — poema de Salette Tavares

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Oskar Schlemmer (1888-1943), Bauhaus Stairway, 1932.

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Roupa — poema de Salette Tavares

20 Segunda-feira Nov 2017

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Ben Nicholson, Salette Tavares

A intimidade de cada um faz-se de objectos, de cheiros e sabores que a memória guarda e a vida no seu aleatório fluir uma vez por outra desperta. E às vezes, de surpresa, as recordações surgem e tomam conta de nós.

Tantas vezes em gestos simples como arrumar gavetas, andar na rua, ou olhar em redor, uma lembrança chega, e aí vai o tempo correndo para trás, em busca de quem já fomos e não voltaremos a ser. São ocasiões em que sentimos …/ o  segredo  de meu ser / todo entornado./ … de que fala Salette Tavares (1922-1994) no poema Roupa, e que a seguir transcrevo:

 

Roupa

Fui  um  dia  à  janela  e  vi  as  nuvens
carregadas  de  meus  sonhos  desdobrados
recolhi-os  um  a  um
com  mil  cuidados
dobrei-os         engomei-os       e  guardei os
são  meus  lenços
empilhados  na  gaveta.
Tão  certos      tão  brancos       tão iguais
quadrados  sobrepostos  arrumados,
nesse  canto  do  sussurro
são  a  espera  consumada  de  um  aroma
que  se  espalha  e  me  inunda  toda  roupa
guardando  no  mistério
o  segredo  de meu ser
todo entornado.
Mas ali vivem e residem
medindo-se em distância com lençóis
também dobrado também brancos também lisos
também memórias recolhidas de silêncio
na dimensão dos corpos conhecidos.
para além dos lençóis para além dos lenços
o perfume íntimo de outras roupas
lava e põe branco em todas elas
no diálogo imóvel do segredo
misturado  a  conchas  e  colares
no  ruído  surdo  de  um  remanso  medo
que  se  prende  também  outras  peças.

Largos  silêncios  que  o  ranger  de  abrir  suspende
estremecer  de  linhos          despertar  de  panos
desabrocha  de  rendas alvas  na  penumbra,
quem  vos  tocou  tão  escondidos  brandos
e  me  ensinou  a  ter-vos?

30.XI.1970

Transcrito de Obra Poética 1957-1971, INCM, Lisboa, 1992.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Ben Nicholson (1894-1982), Window in Cornwall de 1946.

 

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Salette Tavares – uma aproximação

22 Terça-feira Nov 2011

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Salette Tavares

 

É a caricia da mão na minha face

e o meu olhar repousado

o sorriso que passa

rápido

de mim a ti.

 

É toda uma ternura que nos chama

é a desolada solidão de quem se ama

e conhece o espaço

que fica

de aqui ali.

 

É uma inclinação suspensa

por toda a pele que nos limita o corpo

gemido, doçura, pena

como o poema

a chamar por mim.

 

Integrando o pequeno grupo de grandes poetas portugueses do século XX, a poesia de Salette Tavares (1922-1994) é pouco conhecida. Espero ter o tempo para a ela regressar de forma circunstanciada.

Por agora, além do poema de abertura, deixo-vos com outro poema de amor, ambos de Espelho Cego primeiro livro da autora publicado em 1957.

 

Aqui onde chegaste

a tua voz trocou-se,

diz-me

onde puseste

o amor com que te sei.

 

Meridiano do meu corpo

mundo escorrido limite

raiz encharcada d’água

a respirar-me no peito.

 

Vela de cera acendida

no teu olhar que morreu

eu sei-me

água, terra, morte, vida,

cor do vento sobre a pele,

eu sei-te

luz do ar do meu cabelo.

 

Em despedida aqui fica um exemplo da sua poesia concreta, arranhisso, em que a disposição das palavras nos remete visualmente para o bicho.

 

 

Noticias biográficas sobre a autora podem ser facilmente encontradas na net.

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