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Um soneto de Antero de Quental

11 Segunda-feira Jan 2010

Posted by viciodapoesia in Cânone XXI

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António Sérgio, Antero de Quental, Fernando Pessoa, João de Deus, Oliveira Martins

Por mais ligados à matéria que nos sintamos, cedo ou tarde a experiência metafísica bate-nos à porta.

É recente em mim a presença de Deus. Não um Deus cosido a qualquer catecismo, mas um Deus explicação do transcendente, como o de Antero de Quental, de quem trago hoje um soneto.

Em Antero de Quental, poeta-filósofo que foi, e mestre maior do soneto em português, a presença de Deus é recorrente.

Dos seus sonetos disse Oliveira Martins no prefácio que acompanhou a edição em livro:

[Hão-de] encontrar um acolhimento amoroso em todas as almas de eleição, e durar enquanto houver corações aflitos, e enquanto se falar a linguagem portuguesa.

Este prefácio, para quem não conheça o perfil de Antero, é na sua justeza e concisão, o lugar onde podemos aproximar-nos do homem e do poeta.

Por outro lado, o estudo de António Sérgio na edição que preparou dos Sonetos, embora estimulante nas suas interpretações, deixa pouco espaço para uma leitura pela via do sentimento.

Para os curiosos da biografia do poeta aqui fica um endereço da rede com uma biografia de confiança

Poeta do transcendente em mim, visão perfeita daquele verso de Fernando Pessoa O que em mim sente stá pensando, de resto coincidente com a caracterização que já Oliveira Martins fazia  de Antero no prefácio aos seus Sonetos

“É um poeta que sente, mas é um raciocínio que pensa. Pensa o que sente; sente o que pensa.”,

os seus sonetos acompanham-nos pela vida logo que os conhecemos.

Enviando por carta a João de Deus o soneto que escolhi, diz-lhe Antero:

E agora aí vai um soneto. Será talvez o primeiro de que gostes por mais alguma coisa que só pela forma.

 

O meu pessimismo tem-se desvanecido com esta vida contemplativa no meio da boa natureza. Reconheci que andar por toda a parte a proclamar, com voz lúgubre, que o mundo é vão, era ainda uma última vaidade… lá vai o soneto –

 

Na mão de Deus, na sua mão direita,

Descansou afinal meu coração.

Do palácio encantado da Ilusão

Desci a passo e passo a escada estreita.

 

Como as flores mortais, com que se enfeita

A ignorãncia infantil, despojo vão,

Depus do Ideal e da Paixão

A forma transitória e imperfeita.

 

Como criança, em lobrega jornada,

Que a mãe leva no colo agasalhada,

E atravessa, sorrindo vagamente,

 

Selvas, mares, areias do deserto…

Dorme o teu sono, coração liberto,

Dorme na mão de Deus eternamente.

 

 

 

É ainda numa carta a João de Deus datada de Vila do Conde que no inicio desse mesmo ano, a 13 de janeiro de 1882, dá conta do estado de espírito que o anima –

“Eu dou-me aqui bem, apesar de viver completamente só. Quando quero falar, vou ao Porto conversar com Oliveira Martins. Se tu ali estivesses também, tinha tudo quanto desejo.

Aqui as praias são amplas e belas, e por elas passeio ou me estendo ao sol, com a voluptuosidade que só conhecem os poetas e os lagartos, adoradores da luz.”

Estes extractos são esclarecedores do ânimo do poeta e a placidez que transparece nas cartas reflecte-se no poema.

Como estamos longe do pessimismo de tanta da sua poesia, numa aceitação da harmonia do mundo qual “criança ... Que a mãe leva no colo… E atravessa sorrindo… Selvas, mares, areias do deserto…”

Fiquemos por agora com este Deus em poesia que nos permite dormir o sono com o coração liberto.

 

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