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Flores poéticas – um bouquet de Maria Browne

26 Quarta-feira Abr 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Berthe Morisot, Maria Browne

Hoje trago alguns poemas de Maria Browne (1797-1861), rara voz feminina entre os poetas do ultra-romantismo.

Nesta escolha, é o jardim, a natureza domesticada, que recolhe o olhar do poeta. Nela reflecte sentimentos, e dá conta de uma fragilidade que identifica com a condição da mulher burguesa do seu tempo. Traços de delicada sensibilidade sobressaem na aceitação do destino contra o qual não vale lutar. E é o amor, o seu desengano e sofrimento que lemos nestas reflexões associadas ao espectáculo da natureza e à sua frequentemente cruel indiferença. A excepção é o último poema, Um Sonho, onde apenas um delicado prazer se espraia, ainda que seja tão só ilusão.

 

O Lírio   

 

Alvo lírio delicado
Rociado
D’almo pranto matutino,
Namorava a sua imagem
Lá da margem
No regato cristalino.

Um raio de sol dourado
Abrasado
Vinha-lhe o seio libar,
E a lágrima pendente
Transparente
De reflexos matizar.

Borboleta cor de rosa,
Caprichosa
Que adeja de flor em flor,
Voa a ele palpitante
Delirante
Dá-lhe mil beijos de amor.

Aura que livre voara
E cantara
Embora do tempo a ira,
Enlaçada em seus verdores,
Já de amores
Em vez de cantar suspira.

Oh! como esta flor brilhava!
Deslumbrava
Sem querer todo o vergel,
Comparada à flor mais bela
Era ela
Entre os anjos Uriel.

Assim bela em seu esplendor
Sente a dor
De ousado verme a roer,
lnclina a fronte nevada
Já manchada,
Seu vegetar é sofrer!

Pura virgem — vê do lírio
O martírio!
Foge ao verme roedor
Que destrói a flor da vida:
Mais querida
Esse verme é o amor!

 

 

A Sensitiva  

Da mimosa sensitiva
Quis o mistério sondar;
Porque tremendo se esquiva
À mão que a chega a tocar.

Em dia que o sol ardente
A natureza abrasava,
E que a ressequida terra
Às plantas sucos negava;

Que os homens lassos jaziam,
Que os passarinhos choravam,
Que as folhinhas não boliam,
Que as fontes não murmuravam,

Vejo a triste sensitiva
Com sede a desfalecer…
As recortadas folhinhas
Já para a terra a pender,

Chego a ela, e compassiva
Água fresca lhe lancei,
E dum mirto os densos ramos
Para assombrá-la verguei.

Talvez conhecesse em mim
Um coração magoado,
Por se abrir tão facilmente
Às penas dum desgraçado.

Então grata ao meu cuidado
As folhas espanejou,
E como sôpro das auras
Estes sons no ar virou:

“Eu já fui da tua espécie,
E tive o teu coração,
Encontrando só na vida
Egoísmo, ingratidão.

Transformada em vegetal,
Tremo do humano contacto;
Tremo, sim, que inda me toque
Impura mão dum ingrato.”

 

 

A Rosa

Produziu a natureza
Cândida a rosa, sem cor;
Pura como a virgem bela,
Excedendo a toda a flor.

Mas neste mundo inconstante
Anda ao bem o mal aderente:
Tem Amor cruel ciúme,
A rosa espinho pungente.

Ao colher botão viçoso,
Vénus um dedo feriu:
O sangue que derramara
A branca rosa tingiu.

Desde então a rubra espécie
Começou a propagar:
Mais brilhante, e mais vistosa
Pode os gostos partilhar.

Mas a branca… a rosa branca
É de Flora a perfeição…
Não deslumbra tanto os olhos,
Fala mais ao coração.

 

 

A Jarra de Flores  

Que triste fim, belas flores,
Nesse vaso vos espera?
Embora de ouro cercadas;
Aqui não é vossa esfera!

Que dura mão, tão perfeitas
Vos foi no jardim cortar,
E a vossa curta existência
lnda mais acelerar?

Não tendes da terra sucos
Para vossa nutrição;
Nem da manhã o orvalho,
Nem da tarde a viração.

As luzes que vos rodeiam
Não têm do sol o calor;
Nem a água em que pousais
Entretém vosso verdor.

No seio de rubra rosa,
Já frouxo, já desbotado
Vejo pálido jasmim
Languidamente inclinado!

Murchas as folhas, o cravo
Sobre o seu pé agoniza;
Na cor o lírio parece,
Que o ser também finaliza!

No grande mundo a inocência
Acaba como acabais!
Nele só flores de artifício
São felizes… duram mais!

 

 

 

 

Um Sonho  

Corria o Maio entre as nuvens,
Deixando na terra as flores,
No ar a electricidade,
A poesia aos trovadores.

Já da luz, que a sombra apaga
O semi-morto clarão,
Se amor encobre na face,
Mais o revela a expressão.

Nessa hora, meiga fada
Veio meus olhos fechar,
E num sono de magia
A minha alma sepultar.

Era tudo riso, e luz,
Graça, perfume, harmonia;
Um sonho de primavera.
Um sonho de simpatia.

Era num bosque de acácias;
Um regato ali corria;
Por entre a relva mimosa
A violeta aparecia.

Borboleta chamejante,
Que áureo polmo empoeirava
Das anteras da cecém,
Em torno de mim girava.

Espanejando as leves asas,
Vinha em meus lábios pousar;
Essa aragem branda e doce
Fazia meu peito arfar.
……………………………….
……………………………….

Com as tranças me brincava;
Os meus sentidos prendia!…
Despertei… e acordada,
Inda a ilusão existia!

 

Poemas transcritos de Virações da Madrugada, 1854.
Modernizei ligeiramente a ortografia.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Berthe Morisot (1841-1895), No Jardim.

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Desejo e despedida em dois poemas de Aleksandr Púchkin

06 Terça-feira Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Aleksandr Púchkin, Berthe Morisot

Berthe Morisot 1879Corremos o mundo lendo poesia e por todo o lado encontramos, como factor identitário de humanidade, o canto do amor e seus desacertos. Disso mesmo acabo por ir dando conta ao longo dos tempos nas escolhas que faço para o blog. Hoje vamos até à Rússia do século XIX e ao seu poeta literariamente fundador, Aleksandr Púchkin (1799-1837).

Aleksandr Púchkin (1799-1837) num primeiro poema, quando o amor é avassalador, escreve como Queima o sangue um fogo de desejo, / De desejo a alma é ferida,

*

Queima o sangue um fogo de desejo,
De desejo a alma é ferida,
Dá-me os teus lábios: o teu beijo
É o meu vinho e minha mirra.
Reclina para mim a cabeça
Ternamente, faz que eu durma
Sereno até que sopre um dia alegre
E se dissipe a névoa noturna.
[1825]

Tradução directa do russo de Nina Guerra e Filipe Guerra

Quando acaba, e nunca é abruptamente, como se sabe, — Algumas brasas desse amor estão ainda a arder; —, nem sempre existe a grandeza de alma de que este segundo poema, Eu amei-te…, dá mostras:

Tão terna, tão sinceramente te amei, / Que peço a Deus que outro te ame assim.

Eu amei-te…

Eu amei-te; mesmo agora devo confessar,
Algumas brasas desse amor estão ainda a arder;
Mas não deixes que isso te faça sofrer,
Não quero que nada te possa inquietar.
O meu amor por ti era um amor desesperado,
Tímido, por vezes, e ciumento por fim.
Tão terna, tão sinceramente te amei,
Que peço a Deus que outro te ame assim.

Versão portuguesa de Jorge Sousa Braga

Nota iconográfica

A imagem que abre o artigo é de uma pintura de Berthe Morisot (1841-1895), primeiro, modelo de Manet, e depois sua cunhada. Vivendo de perto o movimento impressionista em França, Berthe Morisot consegue uma individualidade na sua pintura em que a paleta e a pincelada são as marcas distintivas, tanto na delicadeza com que pratica o retrato, como na composição quando pinta a paisagem, quais estas pinturas com que encerro o artigo.

Berthe Morisot 1875

Morisot_Berthe-Girl_in_a_Boat_with_Geese

Morisot_Berthe-Woman_in_a_Garden

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