Os fios que nos ligam ao mundo são a nossa estratégia de sobrevivência. Criam-se e destroem-se por nós e pelos outros. Frágeis como os fios que a aranha tece, são a medida da vulnerabilidade, da persistência, do enredado da vida. E na reflexão poética sobre o eu, a vontade, e o mundo, vamos encontrar esta fragilidade em mais um poema perfeito de Carlos Queiroz (1907-1949) Aranha, uma obra-prima da poesia portuguesa.
Aranha
À sombra dum cedro imenso
Eis-me a sentir e a pensar;
Mas o que sinto não penso
E o que penso está suspenso
Como uma aranha no ar
No ar balouça, fremente,
Num débil fio invisível
Dessa teia intermitente
Que liga o passado ingente
Ao presente irreversível.
Irreversível instante
O estar aqui na paisagem
Dentro dela e já distante
— Pois o que somos durante
É de nós próprios imagem.
Imagem que se desdobra
Sem que a vontade a detenha
No tempo que nunca sobra.
Viver?… Criar uma obra?…
Oh, o mistério da aranha!
in Colectânea de Versos Portugueses do séc. XII ao séc. XX, organização de Cabral do Nascimento, Editorial Minerva, Lisboa, 1964.
Da poesia de Carlos Queiroz publicada no livro Desaparecido, primeiro e fulgurante livro do poeta, escreveu Fernando Pessoa (1888-1935):
“A beleza do livro começa pelo livro. A edição é lindíssima. A beleza do livro continua pelo livro fora: os poemas são admiráveis.
Não se pode dizer deste livro o que é vulgar dizer-se, elogiosamente, de um primeiro livro, sobretudo de um jovem: — que é uma bela promessa. O livro de Carlos Queiroz não é uma promessa, porque é uma realização. Cumpriu, sem ter prometido, sem ter tido que prometer.
Assim se deveria fazer sempre, ou quase sempre. Pertence ao mais íntimo da probidade literária e artística o não se apresentar ao público sem ter plena consciência de que na obra apresentada está tudo quanto em nós haja de forte. Não escrevia Milton um soneto sem que o fizesse como se desse soneto dependesse toda a sua fama futura.
E que prazer o de se poder escrever isto sem que a amizade que tenho pelo poeta, que é muita, uma só palavra me dite; sem o que o gosto de incitar quem é jovem, e tenho esse gosto, me faça sublinhar uma só frase; de poder escrever isto sem mais entendimentos que com a justiça, sem mais combinações que com a verdade.”
1935
in Textos de Crítica e de Intervenção, Fernando Pessoa, Lisboa, Ática, 1980.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Joan Miró (1893-1983), Cabeça e aranha, óleo s/tela de 1925, da colecção do Museu Reina Sofia de Madrid.
Carlos Queirós é assim que se escreve (com s e não z) e ele não nasceu em 1909 e sim em 1907.
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Maria José Speglich, obrigado pela gentileza e elegância do seu comentário.
Como pode verificar no artigo, a data de nascimento registada é 1907, pelo que não existe qualquer correcção a introduzir.
Sobre a grafia do nome do autor, adopto, e adoptarei, a que o autor escolheu para o seu nome, e pode ser confirmado na capa da edição do seu livro Desaparecido, publicado em 1935, por conseguinte, em vida de Carlos Queiroz.
Até breve, e obrigado por ler o blog,
Carlos Mendonça Lopes
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