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Por mais que nos interroguemos sobre o sentido da euforia consumista pelo Natal nas sociedades cristãs, participar dela é inescapável sob pena de nos sentirmos irremediavelmente à margem. 

Desde a entrada em força no mercado da produção chinesa barata e abundante, à aproximação do Natal, os enfeites, os mais diversos ou delirantes surgem por todo o lado, numa atmosfera de artifício que marca de forma indelével a época. Entre eles, o pinheiro de natal é rei incontestado dos especimens, desde os mínimos de alguns centímetros aos enormes que as casas podem conter, e aos gigantes que decoram ruas e praças nas urbes. 

Num poema, O Espírito do Natal, que a seguir transcrevo, João Luís Barreto Guimarães (1967) dá, de certa forma, conta destes aspectos, embora sem a explicitarão que deixei antes. O poema debruça-se sobre o negócio e o apagamento progressivo de memórias de um tempo diferente, e, o mais grave, digo eu, o dano ambiental, não do abate descontrolado de pinheiros, mas do universo de plástico que tudo isto trás. O todo com concisão e o tom nonchalant que marca a sua poesia ao tratar da trivialidade dos dias.

 

 

O Espírito do Natal

 

Ano após ano em dezembro a

árvore artificial 

deixa o encerro da cave para ser 

uma luz no frio. É um pinheiro da China. Quem 

se deitar a fazer contas ao ágio 

dessoutro negócio 

(vinte e quatro mil escudos: 

já lá vão nove invernos) a 

coisa

está mais ou menos por 

dois contos e tal 

o Natal. Mau grado à sua copa 

(inerte e inodora) falte o 

olor a caruma dos natais da minha infância 

nela escudo a floresta que ficou por abater 

todo um mundo aloplástico que me 

sobreviverá.

 

Publicado em Luz Última, 2006, 2.ªed 2011.

Transcrito de João Luís Barreto Guimarães, poesia reunida, Quetzal Editores, Lisboa, 2011.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Mariotto Albertinelli (1574-1515), Nascimento de Cristo, de 1503, pertença da Galleria degli Uffizi de Florença.

A ilustração do artigo busca realçar o contraste entre a devoção e parcimónia original na comemoração do Natal, e a feérie consumista subjacente ao poema e às considerações prévias.