Talvez algum leitor tenha lido Arco de Triunfo de Erich Maria Remarque (1898-1970), ou visto o filme do mesmo nome com Ingrid Bergman (Joan Madou). Há neles uma cena inesquecível quando Charles Boyer (Ravic), médico refugiado em Paris, em fuga dos Nazis, impede o personagem Joan Madou de cometer suicídio. A história prossegue num notável drama com a WWII em fundo, mas o que queria ressaltar é a atmosfera do encontro de duas almas à deriva, numa noite de Paris, à beira-Sena, e que o poema de Giuseppe Ungaretti (1888-1970), Nostalgia, cuja tradução dou a seguir, capta de forma magistral.
Se o poema me trouxe esta memória, ele não precisa dela, nem nela se esgota.
Na economia do seu enunciado são duas vidas que se cruzam, envoltas no mistério das suas vicissitudes, deixando ao leitor a emoção contida naquele mundo sem palavras, onde apenas o ar gera a atmosfera da melancolia de existências à procura de si.
Nostalgia
Quando
a noite se esvai
pouco antes da Primavera
e só raro
alguém passa
Sobre Paris adensa-se
uma escura cor
de pranto
Num canto
de ponte
contemplo
o ilimitado silêncio
de uma rapariga
frágil
As nossas
doenças
fundem-se
E como deitados fora
permanecemos
Tradução de Carlos Mendonça Lopes
Poema original
Nostalgia
Quando
la notte è a svanire
poco prima di primavera
e di rado
qualcuno passa
Su Parigi s’addensa
un oscuro colore
di pianto
In un canto
di ponte
contemplo
l’illimitato silenzio
di una ragazza
tenue
Le nostre
malattie
si fondono
E come portati via
si rimane
Locvizza il 28 setembre 1916
Publicado pela primeira vez no livro L’Allegria.
Transcrito de Poeti italiani del Novecento, Mondadori, 2012.
Abre o artigo a imagem retrabalhada digitalmente de um cartaz do filme Arco de Triunfo.