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Muito me eu alegro com este verão,
com estas ramagens, com estas flores,
com as aves que cantam entoando amores.
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Verão e poesia, ou o relato de um sentimento de eternidade no perpétuo suceder dos dias, sensação que transparece no antiquíssimo poema do trovador Airas Nunes (sec. XIII) a seguir transcrito numa versão modernizada por Natália Correia:
Cantiga
Muito me eu alegro com este verão,
com estas ramagens, com estas flores,
com as aves que cantam entoando amores.
Ando eu tão alegre e tão descuidado
qual nesta estação todo o enamorado
se sente de amor mui ledo e loução.
Quando pelas margens dos rios passeio
debaixo das árvores, por prados viçosos,
se pássaros ouço cantar amorosos
com eles de amor me ponho a cantar;
de amor com os pássaros fico-me a trovar;
mil cantigas faço e nelas me enleio.
Muito me eu alegro, deleito e sorrio
quando as aves ouço cantar no estio.
in Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses, Editorial Estampa, Lisboa, 1970.
Este sentir a natureza em redor estende-se à poesia de todos os tempos, dando conta de estados de alma induzidos ou associados às mutações do tempo. Hoje surge como bizarria datada.
O sentimento da natureza será ainda dos nossos dias em sociedades urbanizadas, às voltas com a tecnologia e o sufocante do ar poluído? Provavelmente não.
Um artigo recente num jornal americano, numa daquelas secções de bem estar viradas para gente insatisfeita, à procura do melhor para si, recomendava alguns minutos entre árvores, ouvindo apenas os murmúrios da natureza, ouvidos limpos de phones e olhar disponível, como forma de recuperar tranquilidade e gosto de si. O autor do artigo não conheceria este poema, pelo que não fez suas as palavras do nosso poeta:
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Quando pelas margens dos rios passeio
debaixo das árvores, por prados viçosos,
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Muito me eu alegro, deleito e sorrio
quando as aves ouço cantar no estio.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Van Gogh.