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SummertimeEscapa-se o Verão levado pelo inexorável fluir do tempo. Aos ecos dos seus esplendores junta-se a música que as noites cálidas chamam, e nos acordes do saxofone se transportam, em enlace de sonhos vividos.

Nunca é tarde para recomeçar. E levar connosco o lastro do que nos fez feliz é uma companhia duplamente apetecida, qual seja, por exemplo, uma canção-âncora de tudo isso: Summertime.

Na origem Summertime é cantada por Clara enquanto adormece o filho nos braços, no inicio da ópera de Gershwin, Porgy and Bess, concluída em 1935. Cedo esta e outras canções da ópera passaram a integrar os standards do jazz. Hoje, as interpretações devem contar-se por centenas. São muitas as interpretações da minha afeição e algumas aqui ficam.

Começo com a limpidez da voz incomparável de Ella Fitzgerald em três concertos.

Primeiro no famoso concerto de Berlim de 13-02-1960 com o quarteto de Paul Smith, em que se esqueceu da letra de Mack The Knife e improvisou em scat de forma genial, num dos maiores momentos da história da música ao vivo, mas aqui, desse concerto, vamos ouvir apenas Summertime.

Depois ouviremos duas interpretações próximas no tempo, em 1970 e 1971, como o mesmo trio: Tommy Flanagan ao piano, Frank de la Rosa no contrabaixo e Ed Thigpen na bateria, uma em Budapeste (20-05-1970) e a outra em Nice (21-06-1971). Sendo tão diferentes as interpretações, venha o diabo e escolha qual a mais bela, pois eu não consigo.

Finalmente, em estúdio com Louis Armstrong e orquestra, integrando a gravação dos estratos da ópera que ambos fizeram em conjunto.

Ella Fitzgerald – Berlim

Ella Fitzgerald – Budapeste

Ella Fitzgerald – Nice

Ella Fitzgerald com Louis Armstrong

Depois da trompete de Louis Armstrong, experimentemos as possibilidades expressivas da canção no saxofone e numa talvez menos conhecida interpretação de Art Pepper, com Russ Freeman ao piano, Ben Tucker no contabaixo e Chuck Perkins na bateria, onde o génio espreita a cada nota.

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/10+Summertime+%5B%23%5D.mp3%20

Regresso ao canto para ir aos abismos com a interpretação de Sarah Vaughan captada ao vivo no Japão em 1973, usando apenas o registo grave da sua interminável voz, com Carl Schroeder no piano, John Gianelli no contrabaixo e Jimmy Cobb na bateria.

Por curiosidade ouçamos depois aquela que é a mais antiga gravação vocal desta escolha, de 1949, também na voz light, à época, da bela e jovem Sarah. Foi o tempo em que gravou com Miles Davis, mas que nesta canção não a acompanha.

Sarah Vaughan no Japão

Sarah Vaughan 1949

É a uma jam session de Dinah Washington (15-08-1954) que vou buscar a interpretação que segue, para a qual não há adjectivos, no trompete de Clifford Brown.

Clifford Brown

 E regresso ao saxofone com a interpretação de Charlie Parker com orquestra de cordas, naquela que foi a gravação (30-11-1949) que deu o ponto de partida para o que passou a ser moda: musicos de jazz gravarem com acompanhamento de cordas.

Charlie Parker

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/04+Summertime.mp3%20

Termino esta visita com a interpretação atípica de Cathy Berberian, deusa de quem já aqui falei, num cruzamento entre o standard da interpretação clássica e a improvisacão da música de vanguarda. A gravação foi efectuada nas Semanas Musicais de Ascona em 07-10-1975.

Cathy Berberian

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/33+Track+33.mp3%20

E para ficarem com uma ideia do que está escrito na partitura da ópera, vou buscar à famosa e premiada interpretação da ópera por Sir Simon Rattle, gravada quando da produção do Festival de Glyndebourne em 1988 com a orquetra Filarmónica de Londres, a canção de Clara e o respectivo texto, cantado por Harolyn Blackwell.

Summertime and the livin’ is easy

Fish are jumpin’ and the cotton is high.

Oh yo’ daddy’s rich, and yo’ ma is good lookin’,

So hush, little baby, don’ yo’ cry.

 

One of these mornin’s you’re goin’ to rise up singin’,

Then you’ll spread yo’ wings an’ you’ll take the sky.

But till that mornin’, there’s a-nuttin’ can harm you

With Daddy and Mammy standin’ by.

A predominância na escolha de gravações ao vivo prende-se com a minha preferência absoluta por estas actuações, em detrimento de gravações de estúdio, sempre para além das considerações de qualidade audiófila.

Os momentos mágicos passíveis de acontecer num concerto ao vivo raramente se reproduzem no estúdio, e o calor das interpretações, quando é possível a comparação, são disso espelho.

Nota final

Artigo publicado inicialmente no blog em Setembro de 2011 e agora ligeiramente retocado com foto reformatada.