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O Sátiro e a mulherNeste percorrer a poesia através dos tempos, tenho vindo a dar conta de como o amor físico nela se expressa. Acrescento hoje um fragmento da prodigiosa obra do Arcipreste de Hita, Juan Ruiz, Libro de buen amor, conhecido desde 1330.
Obra de reflexão moral e “autobiografia (?)” ficcionada, é sobretudo um percurso sobre os temas literários da época, onde costumes, religião e moral se cruzam, temas esses que também se encontram em Dante ou no Decameron de Bocaccio.

— fragmento —

Aqui diz como segundo a natureza os homens e os outros animais querem ter ajuntamento com as fêmeas

Como diz Aristóteles, é coisa verdadeira,
o homem por duas coisas se esforça: a primeira
para subsistir; e a outra coisa era
para poder juntar-se a fêmea prazenteira.

Se o dissesse por mim era de censurar;
mas di-lo um bom filósofo, ninguém me vai culpar:
de quanto afirma um sábio não devemos duvidar
pois com factos se prova o sábio e seu falar.

Que diz verdade o sábio claramente se prova:
homens, aves e bestas, todo o bicho de cova
querem como é natural companhia sempre nova,
e muito mais o homem que coisa que se mova.

Digo que mais o homem que outra criatura:
todas têm uma época pra se unir por natura;
o homem em qualquer dia, sem juízo e mesura,
sempre que pode, quer cometer tal loucura.

O fogo sempre quer permanecer na cinza,
pois arde tanto mais quanto mais alguém o atiça;
o homem quando peca entende que desliza,
mas não se afasta disso, que a natura o encarniça.

E eu, como sou homem como os outros, pecador,
senti pelas mulheres às vezes grande amor;
nós provarmos as coisas não é por tal pior,
pra saber o bem e o mal, e escolher o melhor.

Noticia bibliográfica

O fragmento respeita aos quartetos 71— 76 na edição de Gybbon-Monypenny, Clásicos Castália, Madrid, 1988.
Tradução de José Bento in Antologia da Poesia Espanhola das Origens ao Século XIX, ed. Assírio & Alvim, Lisboa 2001.