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Bom é amar, – mas como fere tanto?

Grande gosto é qu’rer bem, – porque entristece?

Prazer é desejar, – como aborrece?

Amor é nosso bem, – porque dá pranto?

 

Amar anima, – mas como causa espanto?

Pelo amor o bem da lama cresce,

– mas com assim, por ele , ela padece?

Como tantos contrários cobre um manto?

 

Não é o amor o que dor nos reparte;

a companhia que a seu pesar mantém

também, mau grado seu, nos fere e mata.

 

Nele rende-se o mal de nossa parte;

só ele em nosso bando nos sustém,

e nossa paz constantemente trata.

Rima ABBA ABBA CDE CDE

Doce sonhar e doce angustiar-me,

quando estava sonhando que sonhava.

Doce gozar com o que me enganava,

se um pouco mais durasse o enganar-me.

 

Doce em mim não estar que figurar-me

podia quanto bem eu desejava.

Doce prazer, mesmo se magoava,

que alguma vez chegava a despertar-me.

 

Oh sono, quão mais leve e saboroso

me foras se viesses tão pesado

que assentasses em mim com mais repouso!

 

Dormindo, enfim, fui bem-aventurado,

e é justo na mentira ser ditoso

quem deveras foi sempre desgraçado.

Rima ABBA ABBA CDC DCD

 

 Pensando no passado, de medroso,

acho um grande amor dentro do peito;

eu bem sei que o passado é já desfeito,

mas dá imaginá-lo algum repouso.

 

Por de descanso estar tão desejoso,

repouso em qualquer parte onde me deito;

onde espero descanso, é o meu leito,

sendo embora o descanso mentiroso.

 

Mas este descansar sendo tão vão

há-de acabar-se dentro de um momento;

e em mim ficar sua recordação.

 

Cedo volto a esta inquietação;

a conta disto é tal que nem a tento;

mas o que perco e ganho está na mão.

Rima ABBA ABBA CDC CDC

 

 

Doce repouso deste entendimento;

doce prazer sobre o ser bom fundado;

doce saber que alto saber me é dado,

pois tenho de meu bem conhecimento.

 

Doce gozar de um doce sentimento,

vendo meu céu tão claro e serenado;

sobre o meu seio o mais doce cuidado,

com firme concluir que estou contento.

 

Doce gostar de um não sei quê sem nome,

que Amor dentro em minha alma colocou,

ao curar-me com inclito renome.

 

Doce pensar que no paraíso estou;

porém, enfim, me lembro que sou home(m),

digo o que penso do que se passou.

Rima ABBA ABBA CDC DCD

 

Lemos estes poemas e não cessa o nosso espanto pela elegância como a eternidade do sentimento amoroso neles é tratada.

Quanto encanto, quanta sabedoria se encerram em todos e cada um dos versos. Escolho quase ao acaso:

 

Amor é nosso bem, – porque dá pranto?

 

ou estes versos onde a doçura descreve os sentimentos

 

Doce sonhar e doce angustiar-me, / quando estava sonhando que sonhava.

Doce pensar que no paraíso estou;

 

e ainda

 

Doce gozar de um doce sentimento, / vendo meu céu tão claro e serenado;

 

Qual deles mais delicadamente descreve o palpitar do coração apaixonado nas nuances do doce enlevo amoroso?

Juan Boscán foi, com Garsilaso de la Vega, o renovador da poesia de Espanha vinda dos Cancioneiros do século XV, ao fazer triunfar em Espanha a poesia a manera de los italianos, como o próprio se lhe referiu no prólogo A los lectores, na 1ª edição da sua poesia em conjunto com de Garsilaso, em 1546.

As traduções a partir do castelhano são, uma vez mais, de José Bento e foram publicadas na Antologia da Poesia Espanhola do Siglo de Oro – Renascimento, editada por Assirio  Alvim em 1993.

A apresentação da obra e as noticias bibliográficas dos autores antologiados são elucidativas e modelares na sua concisão.