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Haiku, ISUMI SHIKIBU, ONO NO KOMACHI, Poesia Japonesa, Tanka
Atrai-me e confunde-me a arte japonesa. Para um gosto formado na estética ocidental há uma sensibilidade plástica que nos é estranha mas mantém uma enorme sedução.
A literatura, e sobretudo a poesia, para um leitor desconhecedor do japonês e da sua cultura, revela-se ora inacessível ora deslumbrante, dependendo de quem e como a transpôs para a língua em que a encontramos.
Faço hoje uma viagem no tempo pela mão das traduções de Luísa Freire, poetisa ela própria e tradutora notável dos poemas ingleses de Fernando Pessoa, visitando a poesia japonesa escrita no feminino entre os séculos IX e XI.
São poemas de duas poetisas, ONO NO KOMACHI (834? – ?) e ISUMI SHIKIBU (974? – 1034?), a primeira uma figura lendária na história literária do Japão, a segunda a maior poeta do país – nas palavras da tradutora
Os poemas dispensam comentários e saboreiam-se sem mediação interpretativa. A escolha é pessoal e aí vai:
ONO NO KOMACHI (834? – ?)
O meu desejo de ti
é forte para contê-lo –
assim ninguém vai culpar-me
se à noite for ter contigo
pela estrada de meus sonhos.
Não há como vê-lo
nesta noite sem luar –
estou deitada e desperta,
os seios ardendo em desejo
e o coração em chamas.
Pensei ter colhido
a flor do esquecimento [*]
só para mim mesma;
mas encontrei-a a crescer
também no coração dele.
[*] wasuregusa, a palavra japonesa do poema que significa “flor do esquecimento” é o equivalente inglês de “forget-me-not” ou do português “amor-perfeito” – a subtileza decorrente da duplicidade do sentido do poema consoante seja lido na sua literalidade de metáfora ou na significação do real, é um exemplo esplendoroso da beleza inspirada desta poesia onde a concisão se desdobra numa multiplicidade de emoções e sentimentos.
Escolho agora de ISUMI SHIKIBU (974? – 1034?) apenas alguns poemas de solidão e desejo, com uma que outra amarga reflexão, deixando de fora poemas onde a presença do efémero na natureza transmite, de forma singular, a vulnerabilidade do viver:
Se o cavalo dele
tivesse sido domado
pela minha mão –
eu tê-lo-ia ensinado
a não seguir mais ninguém.
Mesmo quando um rio
de lágrimas atravessa
e molha este corpo,
não chega para apagar
todo o fogo do amor.
Porque não terei
pensado nisto já antes?
Este corpo meu
ao recordar tanto o teu
tem a marca que deixaste.
Penso: “nos meus sonhos
poderemos encontra-nos” …
Virando a almofada,
eu ando às voltas na cama
incapaz de adormecer.
Consumi o corpo
a desejar o regresso
do que não voltou.
É agora um vale profundo
o que foi meu coração
Deixada aqui
a envelhecer no mundo
sem ti ao meu lado,
as flores perdem a beleza
tingidas de negra cor.
A forma poética de todos os poemas é conhecida como TANKA – poema de 31 sílabas em japonês, mais extensa que HAIKU com apenas 17 sílabas.
Como informa a tradutora, às 31 sílabas japonesas de apresentação vertical dos TANKA, fez corresponder uma tradução – a partir da versão inglesa dos poemas – de 5 versos metricamente alternantes de 5, 7, 5, 7, 7 sílabas, tentando corresponder ao registo sonoro original
Os poemas encontram-se no livro O Japão no Feminino – I – Tanka poesia dos séculos IX a XI, publicado por Assírio & Alvim em 2007 com organização e versão portuguesa de Luísa Freire.
Para o leitor curioso lembro o link Gravura Japonesa disponível no BLOGROLL com um pequeno grupo de gravura japonesa, o qual, sempre que a disponibilidade o permitir, acrescentarei com alguma novidade.
ObrigadoM
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Parabéns!
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