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Infelizmente a guerra não desapareceu do nosso horizonte e é até presença quotidiana um pouco por todo o mundo. Reiterar que ela é apenas resultado da vontade dos homens e não qualquer castigo divino faz parte de uma propedêutica da vida que vale a pena prosseguir.
Os anos passam e o sonho de John Lennon (1940-1980) na sua canção Imagine continua por realizar:
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Imagine all the people / Imagina toda a gente
Living life in peace / Vivendo a vida em paz
You may say I’m a dreamer / Podes dizer que sou sonhador
But I’m not the only one / Mas não sou apenas eu
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O poema de Dylan Thomas (1914-1953) que hoje transcrevo — A mão que assinou o papel… — coloca a questão suprema do poder — o poder de decidir da guerra e da paz — de forma exemplar, ao tornar explícito que esse poder é um acto humano de consequências inumanas porque devastadoras:
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A poderosa mão conduz a um ombro descaído;
sofrem de caimbras as junturas dos dedos engessados.
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A mão que assinou o tratado engendrou febre,
e aumentou a fome, e vieram gafanhotos:
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E com a beleza que dói e a poesia consegue, termina:
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Há mãos que regem a piedade, outras o céu:
só não há que vertam lágrimas.
ou no original:
A hand rules pity as a hand rules heaven;
Hands have no tears to flow.
Eis o poema em tradução de David Mourão-Ferreira:
A mão que assinou o papel destruiu uma cidade;
cinco soberanos dedos tributaram a respiração,
de mortos duplicaram o mundo, a meio cortaram um país
estes cinco Reis provocaram a morte de um rei.
A poderosa mão conduz a um ombro descaído;
sofrem de caimbras as junturas dos dedos engessados.
Uma pena de pato pôs fim ao morticínio
que tinha posto fim às negociações.
A mão que assinou o tratado engendrou febre,
e aumentou a fome, e vieram gafanhotos:
grande é a mão que sobre todos impera
com o gatafunho de um nome.
Os cinco reis contam os mortos, mas não acalmam
a crosta das f’ridas nem a fronte afagam.
Há mãos que regem a piedade, outras o céu:
só não há que vertam lágrimas.
in Vozes da Poesia Europeia III, Colóquio Letras nº165, Set-Dez 2003.
Abrem e fecham o artigo imagens de duas pinturas de Max Ernst (1891-1976), respectivamente: Forma Humana de 1931 a abrir e Sinal para Uma Escola de Monstros de 1968 a fechar.