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Decimas à concepção de Maria por Gregório de Matos

25 Sexta-feira Out 2013

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Gregório de Matos

Bolivia Luis Niño 1740No curto passeio pela poesia de matriz católica que por estes dias faço, escolho agora um poema de Gregório de Matos (1636-1696) cuja poesia popularizada anda mais ligada ao desbocado da sátira, tantas vezes obscena, que às matérias de confissão.

Se no soneto de Violante do Ceo de artigo anterior apenas uma visão deslumbrada corre, nas décimas de Gregório de Matos hoje transcritas há um esforço de encontrar causalidade na explicação do sobrenatural, mas de novo apenas a matéria de fé surge como argumento.

Preocupa-se o poeta em explicar a virgindade de Maria após a concepção de Jesus, e encontra apenas uma vontade primordial em Deus para fundamentar a ocorrência: Maria será mulher na terra e mãe do Filho de Deus e por isso isenta do pecado que condenou Eva.

Antes de ser fabricada / do mundo a máquina digna, / já lá na mente divina, / Senhora estáveis formada:

…

mas se Deus (sabemos nós) / que pode tudo, o que quer, / e vos chegou a eleger / por Mãe sua tão alta, / impureza, mancha, ou falta / nunca em vós podia haver.

…

foi vossa conceição / sacra, rara, limpa, e pura.

Temos pois, ao longo de quatro décimas, a explicação da concepção sem pecado e o incitamento ao louvor de Deus na glorificação da Virgem:

Louvem-vos os serafins / que nessa Glória vos vêem, / e todo o mundo também / por todos os fins dos fins:

 

DÉCIMAS

Antes de ser fabricada

do mundo a máquina digna,

já lá na mente divina,

Senhora estáveis formada:

com que sendo vós criada

então, e depois nascida

(como é cousa bem sabida)

não podíeis, (se esta sois)

na culpa que foi depois,

nascer, Virgem, compreendida

 

Entre os nascidos só vós

por privilégio na vida

fôstes, Senhora, nascida

isenta da culpa atroz:

mas se Deus (sabemos nós)

que pode tudo, o que quer,

e vos chegou a eleger

por Mãe sua tão alta,

impureza, mancha, ou falta

nunca em vós podia haver.

 

Louvem-vos os serafins

que nessa Glória vos vêem,

e todo o mundo também

por todos os fins dos fins:

Potestades, querubins,

e enfim toda a criatura,

que em louvar-vos mais se apura,

confessem, como é razão,

que foi vossa conceição

sacra, rara, limpa, e pura.

 

O Céu para coroar-vos

estrelas vos oferece,

o sol de luzes vos tece

a gala, com que trajar-vos:

a lua para calçar-vos

dedica o seu arrebol,

e consagra o seu farol,

porque veja o mundo todo,

que brilham mais deste modo

Céu, estrelas, lua, e sol.

Noticia bibliográfica

Publicado em Gregório de Matos, Se Souberas Falar Também Falaras, Antologia Poética, Organização, selecção, estudo e notas de Gilberto Mendonça Teles, INCM, Lisboa, 1989.

 

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Carregado de mim ando no mundo – o lado sério de Gregório de Matos

19 Sábado Nov 2011

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Gregório de Matos

Embora conhecido sobretudo pelas suas sátiras corrosivas e amiúde obscenas, Gregório de Matos (1633-1696), foi também poeta de reflexão.

Com a obra poética para além dos sonetos  aguardando uma edição critica (ao que suponho) que separe a produção própria da de outros, nomeadamente Tomás Pinto Brandão, Gregório de Matos é um poeta mal-amado.

Temos hoje, como no passado, dificuldade em lidar com a obscenidade posta em letra de forma, ainda que, na maior parte dos casos,  a realidade a que é aplicada não possua outra forma igualmente lapidar de se lhe referir.

Transcrevo nesta breve visita dois sonetos  com o lado sério de Gregório de Matos.

Começo com este  Carregado de mim ando no mundo, cujos primeiros versos em muitos de nós ganham por vezes intensa acutilância, e alguns há, com demasiada frequência.

Carregado de mim ando no mundo, / E o grande peso embarga-me as passadas / Que como ando por vias desusadas, / Faço crescer o peso, e vou-me ao fundo.

O resto do soneto vai pela mesma qualidade de inspiração.

 Carregado de mim ando no mundo,

 E o grande peso embarga-me as passada,

 Que como ando por vias desusadas,

Faço crescer o peso, e vou-me ao fundo.

 

O remédio será seguir o imundo

Caminho onde dos mais vejo as pisadas,

Que as bestas juntas andam mais ornadas,

Do que anda só o engenho mais fecundo.

 

Não é facil viver entre os insanos,

Erra quem presumir que sabe tudo,

Se o atalho não soube dos seus danos.

 

O prudente varão há de ser mudo,

Que é melhor neste mundo, mar de enganos

Ser louco c’os demais, que só  sisudo.

 

Na edição crítica dos Sonetos de Gregório de Matos preparada por Francisco Topa, estes encontram-se arrumados por temas.Temos sonetos Sacros e Morais onde se inclui o que transcrevi, Encomiásticos, Fúnebres, Amorosos, Satíricos e burlescos, e dois outros, num total de 217 sonetos recenseados e atribuídos formalmente ao poeta. É um corpus vasto de qualidade desigual onde se encontram algumas belas poesias.

Termino transcrevendo de entre os sonetos amorosos,  um soneto-reflexão sobre o tempo da paixão e o sofrimento que ela trás:

Horas contando, numerando instantes,

Os sentidos à dor e à gloria atentos,

Cuidados cobro, acuso pensamentos,

Ligeiros à esperança, ao mal constantes.

 

Quem partes concordou tão dissonantes?

Quem sustentou tão vários sentimentos?

Pois para glória excedem de tormentos,

Para martírio ao bem são semelhantes.

 

O prazer com a pena se embaraça;

Porém quando um com outro mais porfia,

O gosto corre, a dor apenas passa.

 

Vai ao tempo alterando a fantasia,

Mas sempre com vantagem na desgraça,

Horas de inferno, instantes de alegria.

 

A poesia satírica e obscena fica para outra visita.

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