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Num vergel mui deleitoso — poema de Frei Diego de Valência

26 Terça-feira Ago 2014

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Frei Diego de Valência

William-Adolphe-Bouguereau 500pxAfasto-me das graves matérias com que ultimamente tenho ocupado o blog, para dar conta de mais uma inventiva forma de falar poeticamente do amor e do prazer de o fruir.

O poema, incluído no século XV por Baena no seu Cancioneiro, foi considerado, na autorizada opinião de Menendez Pelayo, o melhor poema de amor deste cancioneiro.

É, pois, a voz e inspiração de Diego de Valência (c.1350-c.1412), franciscano e homem tido no seu tempo como sábio de vários saberes, que vos trago. Autor de poemas filosóficos e teológicos, não fugiu ao erótico e mesmo ao burlesco e obsceno.

Pelo que deixou escrito, os saberes do amor não lhe deviam ser estranhos, ainda que no poema de hoje, talvez para salvar aparências, refira:

…

A entrada do vergel

a mim foi sempre defesa,

mas, amigos, não me pesa

por bem saber o que há nele;

 

Encontramos a abrir o poema um vergel [pomar, jardim, horto] por metáfora do sexo de uma jovem mulher onde:

 

Maçãs e muitas romãs / o cercam por toda a parte; / não há homem que se farte / de suas frutas temporãs; / …

 

Não é de forma alguma abusiva a leitura do poema como metáfora do acto sexual e do seu prazer, e nela sou acompanhado por outros.

Ao ler o poema com esta chave, e em remate do gozo erótico, conclui o nosso autor:

 

…

é mais doce do que o mel

o orvalho que dele mana,

que toda a tristeza sana

o prazer que mana dele.

 

Temos assim que para início do acto o nosso poeta nos conta:

 

Num vergel mui deleitoso / entrei por minha ventura, / onde achei toda a doçura / e prazer muito gostoso;

…

 

Em tempos sem contraceptivos, o risco de gravidez está presente, e o nosso poeta lembra-o logo a seguir:

 

…

e causado por natura, / de morar mui perigoso.

…

 

No resto segue o detalhe dos prazeres com imagens de fruta — não há homem que se farte — e harmonias concorrentes com o canto dos pássaros — que fazem dormir de amores. —, acrescentando em remate a explícita referência de quanta doçura emana das fontes onde o prazer vive, e que referi antes.

 

Frei Diego de Valência (c.1350-c.1412)

 

1.9.6.1 — Estes versos fez o dito Mestre Frei Diego por amor e louvores de uma donzela que era mui formosa e respalndecente, da qual estava mui enamorado.

 

Num vergel mui deleitoso

entrei por minha ventura,

onde achei toda a doçura

e prazer muito gostoso;

a entrada foi escura

e causado por natura,

de morar mui perigoso.

 

Em muito espessa montanha

este vergel foi plantado,

por toda a parte cercado

por ribeira muito estranha:

quem alguma vez se banha

em sua fonte perenal,

pelo curso natural,

tanta doçura o engana.

 

Maçãs e muitas romãs

o cercam por toda a parte;

não há homem que se farte

de suas frutas temporãs;

mas, amigos, não são sãs

para quem delas muito usa,

pois gozando-as não se escusa

a que não faltem maçãs.

 

Calhandras e ruisenhores

nele cantam noite e dia,

fazendo alta melodia

além variações multicolores;

e outras aves melhores

papagaios, filomelas;

cantam sereias serenas

que fazem dormir de amores.

 

A entrada do vergel

a mim foi sempre defesa,

mas, amigos, não me pesa

por bem saber o que há nele;

é mais doce do que o mel

o orvalho que dele mana,

que toda a tristeza sana

o prazer que mana dele.

 

(Cancioneiro de Baena)

Tradução de José Bento, Antologia da Poesia Espanhola das Origens ao Século XIX, Assírio & Alvim, Lisboa 2001.

Acrescento o original castelhano:

 

Este dezir fixo e ordenó el  dicho Maestro Fray Diego por amor e loores de una donzella que era muy fermosa e muy resplandeciente, de la cual era muy enamorado.

 

En un vergel deleitoso

fui entrar por mi ventura,

do fallé toda dulçura

e plazer muy sabroso;

……………………………….

la entrada fue escura,

obrado fue por natura

de morar muy peligroso.

 

En muy espesa montaña

este verger fue plantado,

de todas partes cercado

de ribera muy estraña;

al que una vez se baña

en su fuente perenal,

segun curso natural,

a duçura lo engaña.

 

Pumas e muchas milgranas

lo cercan de toda parte,

non sé home que se farte

de las sus frutas tempranas;

mas, amigos, non son sanas

para quien de ellas mucho usa,

que usando non se escusa

que non menguen las mançanas.

 

Calandras e ruiseñores

en él cantan noche e día,

e fazen grant melodía

en deslayos e discores,

e otras aves mejores,

papagayos, filomenas,

en él cantan las serenas

que adormecen con amores.

 

La entrada del vergel

a mí fué siempre defesa,

mas, amigos, non me pesa

por saber cuanto es en él;

es mas dulce que la miel

el rocío que d’él mana,

que toda tristeza sana

el plazer que sale d’él.

 

Versão sumariamente modernizada por Álvaro Alonso em Poesía de Cancionero, Ediciones Cátedra, Madrid, 1999.

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