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D. Francisco de Sá e Meneses — pago sempre em tristeza / os sonhos do pensamento

31 Terça-feira Dez 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Portuguesa antiga

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D. Francisco de Sá e Meneses, Joan Miró

Os sonhos, porta de entrada da esperança, umas vezes realizam-se, outras ficam pelo caminho nos acidentes de percurso da vida vivida. Não que os sonhos do pensamento sempre se esboroem virando a esperança em tristeza, ou como poeticamente escreve D. Francisco de Sá e Meneses (1515-1584), 1.º Conde de Matosinhos(*), no poema que a seguir transcrevo: pago sempre em tristeza / os sonhos do pensamento. Esta desilusão permanente é talvez uma imagem de abismo decorrente de desilusões sucessivas, a ponto de o poeta desabafar: 

…

Que até de ter esperança

Tenho a esperança perdida. 

…

 

Embora suponhamos poder ter mão no destino, em verdade só a temos no que da nossa vontade depende, como bem lembra Epicteto (séc. I-II) em Encheiridion (Manual). O que nos é alheio atinge-nos sem fuga. E se esse acontecer, a que chamamos pouca sorte, persiste, então talvez sintamos como o poeta que ao terminar o poema se lamenta:

…

E eu, por não mudar a sorte,

Nem morro nem tenho vida.

 

Que nem todos tenhamos tamanha desilusão com o viver, desejo.

 

 

Poema

 

Mote

 

Já não posso ser contente:

Tenho a esperança perdida!

Ando perdido entre a gente;

Nem morro, nem tenho vida.

 

Glosa

 

A tudo quanto desejo

Acho atalhadas as vias;

Em tentos e fantasias

Mui mau caminho me vejo.

Se do passado e presente

O porvir se pode crer,

Já não há que pretender:

Já não posso ser contente.

 

Que de tudo quanto quero

Chego a tara triste estremo

Que vejo tudo o que temo 

E nem sombra do que espero,

Desengano-me da vida

E fiz nela tal mudança 

Que até de ter esperança

Tenho a esperança perdida.

 

Cuidei um tempo que havia

Na fortuna o que buscava,

E posto que o não dava,

O mesmo tempo o daria.

Achei tudo diferente,

Fiquei desencaminhado, 

E como em despovoado, 

Ando perdido entre a gente.

 

De que farei fundamento

Pois em nada acho firmeza

E pago sempre em tristeza

Os sonhos do pensamento?

Abrande esta dor crescida

Vivendo em pena de morte,

E eu, por não mudar a sorte,

Nem morro nem tenho vida.

 

Fonte do poema

As cem melhores poesias (líricas) da língua portuguesa escolhidas por Carolina Michaëlis de Vasconcelos, editado simultaneamente em Lisboa, Rio de Janeiro, Berlim, Bruxelas, Lausanne, Londres, 1910.

Actualizei a ortografia.

 

(*) Não confundir com o sobrinho de nome homónimo e autor do poema épico Malaca conquistada e poemas diversos.

Com esta publicação concluem-se dez anos de blog e quase mil artigos publicados.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Joan Miró (1893-1983), A Esperança.

Possa o contemplá-la ser um estímulo para manter a esperança vida fora.

 

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