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A eternidade, como não-tempo, não tem história, portanto, não tem acontecimentos. A humanidade perante o horror deste vazio foi preenchendo o conceito através das diversas religiões com o que mais gostava, qual casa de bonecos acrescentada dos enfeites mais variados, e tem-lhe chamado paraíso. Seguiu-se-lhe uma moral fixando o processo de poder usufruir deste paraiso e a ele aceder, definindo-se para isso o bem e o mal.
Ao longo da história a imposição do paraíso de uns tem sido o inferno de outros, fazendo da vida uma luta por vezes sem quartel, na imposição do bem de uns aos outros que não o querem, ou não o reconhecem.
Para lidar com este abstruso conceito — Lá não há esperança / E não há futuro — socorro-me de um poema de Arthur Rimbaud (1854-1891), de cuja poesia escrevia Paul Verlaine (1844-1896): a língua é clara e mantém-se límpida mesmo quando a ideia se turva ou o sentido se torna obscuro.
A Eternidade
De novo me invade.
Quem? — A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.
Alma sentinela,
Ensina-me o jogo
Da noite que gela
E do dia em fogo.
Das lides humanas,
Das palmas e vaias,
Já te desenganas
E no mar te espraias.
De outra nenhuma,
Brasas de cetim,
O Dever se esfuma
Sem dizer: enfim.
Lá não há esperança
E não há futuro.
Ciência e paciência,
Suplício seguro.
De novo me invade.
Quem? — A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.
Maio 1972
Versão de Augusto de Campos, Rimbaud Livre, Editora Perspectiva S.A., São Paulo, Brasil, 1992.
Poema original
L’Éternité
Elle est retrouvée.
Quoi ? – L’Éternité.
C’est la mer allée
Avec le soleil.
Âme sentinelle,
Murmurons l’aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.
Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.
Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s’exhale
Sans qu’on dise : enfin.
Là pas d’espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.
Elle est retrouvée.
Quoi ? – L’Éternité.
C’est la mer allée
Avec le soleil.
Rimbaud, Poésies completes, Librairie Générale Française, 1998.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), Caminhos da Paz, de 1985.