Em maré de beijos poéticos, venho com um poema do ultra-romantismo assinado António José de Sousa Almada e escrito em Lisboa, em 1848.
O poema apenas nos mostra, uma vez mais, a constância da palpitação erótica através das épocas e o impulso para a sua formulação poética.
Ao contrario de Catulo e dos seus beijos mil, o nosso jovem (suponho) clama da falta deles:
Dos beijos que por aí vão
Perdidos,… que nem eu sei;
Nem sequer um beijo só
Dos que se perdem, achei!
…
E mais, não é por descuido,
Nem por faltar-me o desejo,
…
E o nosso jovem(?) dando-se ares de inocente escreve:
…
Que eu não sei dizer ainda
O gosto que tem um beijo.
Pedi-los… não querem dar-me,
Furtá-los… não sei a quem,
Por mais que busque e pergunte
Onde estão?… e quem os tem?!
Que sabem bem… desconfio
Pois mo têm vindo contar;
…
Bom, com a conversa daqui a pouco esquartejo todo o poema, pelo que fico-me por mais esta citação:
…
E dizem também que há beijos
Que dados mais de uma vez:
Entumecem nos sentidos
Torrentes de languidez.
…
Passam os séculos mas chegada a idade certa, a conversa é sempre a mesma.
Eis o poema, retirado do pó de mais de 150 anos.
Os Beijos
Dos beijos que por aí vão
Perdidos,… que nem eu sei;
Nem sequer um beijo só
Dos que se perdem, achei!
E mais, não é por descuido,
Nem por faltar-me o desejo,
Que eu não sei dizer ainda
O gosto que tem um beijo.
Pedi-los… não querem dar-me,
Furtá-los… não sei a quem,
Por mais que busque e pergunte
Onde estão?… e quem os tem?!
Que sabem bem… desconfio!
Pois mo têm vindo contar:
Há beijo, que tira a cor,
Há beijo… que faz corar!
O beijo que tira a cor,
É beijo dado com medo;
Que sobressalta, e descora
A quem lhe guarda o segredo.
O beijo que faz corar,
É quase sempre o primeiro;
Murmúrio d’alma da virgem,
Que assoma aos lábios fagueiro.
Os beijos que são pedidos,
Pousa-os na face a vontade:
É o amor a dilatar-se
No perfume da amizade!
Mas os beijos que são dados
À vista de muita gente,
Desmerecem no apreço
E arrefecem de repente.
E dizem também que há beijos
Que dados mais de uma vez:
Entumecem nos sentidos
Torrentes de languidez.
Eu cá por mim, — nada sei,
Mas acho que estes são
Mistérios que não se explicam,
Segredos do coração!
Não sei: — nem mesmo se o beijo,
Revela às vezes, pousando,
Mística voz lá do céu
Que a boca não diz, falando!
E se inexacto julgarem
Os beijos que descrevi;
Mostrem-me as Damas o erro
Dando-me um beijo a mi!…
Que os beijos que por aí vão,
Perdidos,… que nem eu sei.
Nem sequer um beijo só
Dos que se perdem, achei.
Lisboa, 1848
Nota final
O poema vem publicado no Tomo IV de Lísia Poética, colectânea de poesia romântica e ultra-romântica publicada no Rio de Janeiro em 1849 por José Ferreira Monteiro.
A pintura que abre o artigo, denominada O despertar da consciência, 1853, é obra do pintor Pré-Rafaelista William Holman Hunt (1827-1910).
Que lindo…
Melhor geração do romantismo! (na minha opinião)
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