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Philip Larkin — Seja assim o poema

26 Quinta-feira Fev 2015

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Jean-Michel Basquiat, Philip Larkin

Jean-Michel Basquiat (1960-1988) 04600pxEntendo, com Philip Larkin (1922-1985), que não há obras poéticas, mas poemas. Que a poesia é uma arte de singulares, e cada poema deve conter em si, da abertura ao fecho, a sua total significação. Fica o poema coxo se para a sua cabal compreensão são necessários conhecimentos de biografia do poeta ou detalhes de escola e enquadramento de época.

Na poesia de Larkin, em cada poema temos uma totalidade, seja um pequeno drama, um relato de frustração ou amargura, desenvolvendo-se em reflexões banhadas por uma ironia cáustica, e o todo contado em versos de uma clareza lapidar.

 

Transcrevo dois poemas, This Be The Verse e Sad Steps, em tradução de Rui Carvalho Homem.

 Jean-Michel Basquiat (1960-1988) 07600px

Seja assim o poema

 

 

Fodem-te a vida, o papá e a mamã,

  Mesmo que não seja essa a intenção.

Deixam-te todos os vícios que tenham

  E mais dois ou três, por especial atenção.

 

Mas no tempo deles também foram fodidos

  Por tolos trajando jaquetão e coco,

Que quando não estavam piegas ou hirtos

  Saltavam, raivosos, à veia, ao pescoço.

 

E assim é legada a felicidade,

  Vai mais e mais fundo, como o fundo do mar.

Foge mal tenhas oportunidade

  E quanto a teres filhos — isso nem pensar.
Jean-Michel Basquiat (1960-1988) 06600px

Tristes passos

 

Tropeçando de volta à cama depois de uma mija

Afasto as grossas cortinas e surpreendo-me

Com as nuvens que correm, com a lua tão limpa.

 

Quatro da manhã: jardins de sombras oblíquas, jazendo

Sob um céu cavernoso e rasgado pelo vento.

Há nisto uma faceta ridícula,

 

Na lua a lançar-se através de nuvens fugazes

E soltas como fumo de canhão, para logo se apartar

(A luz pétrea aguçando, cá em baixo, os telhados)

 

Alta e soberba e separada —

Pastilha de amor! Medalhão de arte!

Ó lobos da memoria! Imensidões! É certo,

 

Há um leve arrepio, quando se olha para o alto.

A dureza e a claridade e o alcance,

A singularidade de tão vasto e fixo olhar

 

É lembrança da força e da dor

De ser jovem; do que não se pode ter de novo,

Mas que é vivido por outros, em pleno, nalgum lugar.

 

in Philip Larkin, Janelas Altas, Edições Cotovia, Lisboa, 2004.

 

Termino com um episódio de memória, I Remember, I Remember, fazendo arco com o poema de abertura.

Como não encontrei versão portuguesa do poema, transcrevo apenas o original.

 

Jean-Michel Basquiat (1960-1988) 01600px

I Remember, I Remember

 

 

Coming up England by a different line

For once, early in the cold new year,

We stopped, and, watching men with number-plates

Sprint down the platform to familiar gates,

“Why, Coventry!” I exclaimed. “I was born here.”

 

I leant far out, and squinnied for a sign

That this was still the town that had been ‘mine’

So long, but found I wasn’t even clear

Which side was which. From where those cycle-crates

Were standing, had we annually departed

 

For all those family hols? . . . A whistle went:

Things moved. I sat back, staring at my boots.

‘Was that,’ my friend smiled, ‘where you “have your roots”?’

No, only where my childhood was unspent,

I wanted to retort, just where I started:

 

By now I’ve got the whole place clearly charted.

Our garden, first: where I did not invent

Blinding theologies of flowers and fruits,

And wasn’t spoken to by an old hat.

And here we have that splendid family

 

I never ran to when I got depressed,

The boys all biceps and the girls all chest,

Their comic Ford, their farm where I could be

‘Really myself’. I’ll show you, come to that,

The bracken where I never trembling sat,

 

Determined to go through with it; where she

Lay back, and ‘all became a burning mist’.

And, in those offices, my doggerel

Was not set up in blunt ten-point, nor read

By a distinguished cousin of the mayor,

 

Who didn’t call and tell my father There

Before us, had we the gift to see ahead —

‘You look as If you wished the place in Hell,’

My friend said, ‘judging from your face.’ ‘Oh well,

I suppose it’s not the place’s fault,’ I said.

 

‘Nothing, like something, happens anywhere.’

 

 

Transcrito de Collected Poems, Faber and Faber, Londres, 2003.

Jean-Michel Basquiat (1960-1988) 04a600px

As imagens mostram obras de Jean-Michel Basquiat (1960-1988).

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