Autor

Enquanto jovem engenheiro caminhante nos campos da poesia, encontrei dois colegas que a ela me prenderam definitivamente. Um foi Jorge de Sena, e com ele aprendi e acreditei

… que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto

não é senão essa alegria que vem

de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez

alguém está menos vivo ou sofre ou morre

para que um só de vós resista um pouco mais

à morte que é de todos e virá.

A esta poesia da certeza da dignidade humana juntei a outra, a dúvida do inventado Álvaro de Campos, engenheiro nascido em Tavira

Se em certa altura

Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;

Se em certo momento

Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;

Se em certa conversa

Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro –

Se tudo isso tivesse sido assim,

Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro

Seria insensivelmente levado a ser outro também.

e nos pólos destes dois ímanes naveguei.

Agora, nestes tempos de crise em que o trabalho se faz escasso, passo horas entre livros num prazer de nababo. Revisito a biblioteca, caverna de Ali-Bá-Bá onde os livros lutam com o espaço, derrubando-se uns aos outros num desejo de lembrar que existem e eu, milionário do meu tempo, leio, e aí surgem as surpresas. Livros amados e afinal há tanto tempo esquecidos, outros comprados e deixados de lado na vertigem do que fazer quotidiano. Deste prazer sempre renovado de ler, surge uma enorme vontade de partilha, afinal traduzida nesta aventura em solilóquio aberto ao mundo. De parte destas leituras aqui darei noticia, ao fim e ao cabo, relato consentido das horas fugidias que com elas passo.

Ainda que outras matérias possam vir à conversa, falarei sobretudo daquela espécie de musica das palavras que pelos séculos vem emocionando os homens, a Poesia.

Apesar de me supor preparado para enfrentar os textos fazendo tábua rasa de opiniões, especialistas e histórias da literatura, saberei eu dar conta da emoção de folhear um livro por abrir talvez há mais de 200 anos e encontrar o relato poético da eterna e inapelável passagem do tempo

Basta de amores minha musa, basta

Não vez o tempo como corre à pressa

gastando o que à humanidade mais custa, o desejo do amor?

Quantos anos de ler poesia bem sei, mas

Dos versos que eu li

(Bem mais de um milhão)

não posso dizer como Carlos Queiroz

Tão poucos senti

No meu coração!

Pelo contrário, por eles fui tocado, por eles me aprendi e hoje digo com Pablo Neruda

Obrigado Poesia


Carlos Mendonça Lopes

Janeiro de 2010

35 thoughts on “Autor”

  1. Monica Falcone said:

    Procurando uma tradução de uns versos de W. H. Auden, dei de cara com o seu blog, que me rendeu boas emoções nesta manhã paulistana chuvosa. Bom saber que posso sempre beber desta fonte. Obrigada.

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  2. Gostei muito de descobrir o seu blogue.

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  3. Maria said:

    Bom dia,

    Trabalho numa editora de Livros – By the Book e gostara de pedir o seu contacto de e-mail.

    Obrigada

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  4. Ana Guerreiro said:

    Sabe bem e faz bem à alma. Voltarei a “cuscar”, porque também eu gosto e amo poesia. Obrigada Viciodapoesia por existir.

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  5. Moreira said:

    Eu gostava de publicar alguns poemas aqui no seu blog. Posso deixar um excerto de um:

    Naturais, enegrecidos, negra obsidiana,
    Em castanho barro,
    Contas pequenas,
    Em branco barro, porcelana,

    Cai assim água por entre o jarro,
    Gotas serenas,
    Pérolas de teu olhar,
    Aquisição gelada, intemporal,

    Tempestade tropical em gelado mar,
    Solidão fria da aurora,
    Inevitavelmente imortal,
    Tão só, mas tão gloriosa,

    Perdendo-se o tempo e a hora,
    De ver tamanha perfeição,
    Pois para lá de fria, quente, calorosa,
    És a divina execução,

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  6. Aline said:

    Oi, moço dono da página.

    Preciso MUITO do seu contato pessoal. Poderia me passar seu e-mail? Ou eu te passo o meu, se preferir. É urgente!!!

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  7. Em uma busca sobre Ovídio, acabei caindo aqui! O mito de Ícaro, em fragmentos de metamorfoses, foi o objeto de pesquisa. Muito boa as transcrições de diversos poemas que estão no blog, todos com um breve texto e os quadros como ilustração. Parabéns pela dedicação e obrigada por compartilhar.

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  8. Teresa Muge said:

    Gostava muito de ver aqui o enormíssimo e esquecidíssimo António Quadros (pintor), mais os seus heterónimos – João Pedro Grabato Dias e Mutimati Barnabé João. Se utilizar um dos seus artigos, como citar? Obrigada!

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    • Obrigado pelo seu interesse. Sugestão aceite. Lá por Outubro ou Novembro aqui aparecerá.
      Para citar o conteúdo do blog basta referir ou viciodapoesia ou Carlos Mendonça Lopes. Obrigado e até breve.

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      • Como do Autor só possuo e conheço Quibiricas:
        CCCXXVII
        Ao sol que já aquece, volvem olhos
        que abertos pouco vêem senão luz
        e bálsamo parece, nos abrolhos
        que parecem passados. …

        além de alguns dos poemas cantados por José Afonso, esperei entretanto encontrar outros livros do poeta que dessem conta da sua multifacetada inspiração. Acontece que as obras são praticamente inexistentes no mercado, e sem o seu conhecimento não há opinião. Talvez um dia a situação mude e, agora sem prazo, o comentário sobre a obra poética de António Quadros (pintor) aqui apareça.
        Até breve,
        Carlos Mendonça Lopes

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  9. luís beirão said:

    Boa tarde,
    se eu quiser avaliar poemas que escrevi, quem aconselha auscultar ?
    att.,
    lb

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  10. Caro, passando para agradecer pelo acesso a tantos textos, e para pedir permissão para utilizá-los em aulas de Literatura neste semestre. Ainda estou editando a proposta de curso, mas o resultado inicial já possível acompanhar aqui: https://docs.google.com/document/d/1EMOkv1Ys8MNWL0TuWfGC_TViOQCsAdTQvsOSR-BN5TY/edit?usp=sharing

    Evoé,

    Orlando Lopes

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  11. aquarela dos sonhos said:

    Uma pessoa que gosta de poesia só pode ser um anjo na terra! Adorei seu blog!
    E como você pretendo ser engenheiro. Fiz o meu blog pra tentar desabafar e enfrentar essa dúvida entre escolher matemática ou engenharia química!

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  12. Obrigada por partilhar o seu vício. Amo este blogue e amor é coisa séria 🙂

    Um forte abraço.

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  13. Maria Emilia Rey Pimenta said:

    Ao pesquisar para um trabalho da faculdade sobre Herberto Hélder, encontrei seu blog e fiquei encantada. As “costuras” que vc faz com seu pensamento e os poemas é fantástica. Obrigada por partilhar suas ideias e achados!

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  14. Panclasta said:

    Prezado, venho acompanhando o sítio e sendo positivamente surpreso pelo grau de profundidade analítica por ele atingida, bem como pelo (subjetivo, de certo modo) bom gosto na escolha dos vates apresentados.

    Gostaria de saber como eu poderia enviar alguns escritos para análise e eventual postagem.

    Atenciosamente,

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    • Lisonjeia-me o seu comentário, obrigado. Como certamente terá notado, e refiro na página O Blog, ocupo-me da poesia de autores com obra publicada inicialmente até aos anos 50 do século XX, por escolha pessoal. E também por escolha pessoal, aconteceu e acontecerá pontualmente publicar e comentar poesia de autores revelados posteriormente. Assim, sobre os seus escritos, talvez um dia se proporcione a ocasião do comentário e publicação. Pode sempre escrever para viciodapoesia@gmail.com.
      Um abraço e volte sempre,

      Carlos Mendonça Lopes

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  15. Maravilha! Virei freguesa!

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  16. Foi muito bom encontrar você e seu vício. Minha vida, como de outros, em algum momento, também tomou um rumo diferente por conta do que achei aqui.
    Abraço Fraterno.

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  17. Ines Carvalho said:

    Que bom conhecer outros viciados em poesia.Conhecendo muitos poetas portugueses sobretudo anteriores a Sophia, pouco conheço dos estrangeiros.Recentemente conheci Becquer( Habrá Poesia) e estou para ver que mais poemas belos estrangeiros existem.

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  18. caí aqui por um acaso, um acaso feliz, daqueles que só amigos comuns podem proporcionar, amigos entre livros e entre poesias. Obrigada

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  19. obrigada pela partilha do teu vicio :))

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