Como não sou alvo, nem pratico, não faço ideia se os piropos de passagem ainda são de uso numa forma agressiva de alardear masculinidade. Prática antiga tomada como técnica de sedução, as mulheres foram dela o alvo nas circunstâncias mais variadas.

Ao sabor das leituras variadas que me ocupam, encontro numa elegante e galanteadora forma, uma manifestação ancestral dos piropos que não há muitos anos também se praticavam.

Um poeta anónimo incluído na Antologia Grega transmite a uma certamente bela mulher, como os seus seios o desafiam e atraem. Para isso, manifesta o desejo de se mimetizar primeiro no vento, depois em rosa, e finalmente em cítara. Na elegância da forma e conteúdo estamos nos antípodas dos piropos de esquina de rua, frequentemente grosseiros, que a abrir referi. Por isso, para sublinhar a malícia dos epigramas que transcrevo a seguir, no título do artigo escolhi marotices.

 

 

O vento

 

Fosse eu o vento e pudesses tu, chegando a tua casa

de campo, desnudar o peito e receber meu sopro.

 

 

A rosa

 

Fosse eu uma rosa púrpura e que tu, tomando-me nas mãos,

me concedesses a graça dos teus seios de neve!

 

 

A cítara

 

Quando estou ao pé de ti, ó tocadora de cítara, eu queria

ser como tu: tocar de leve ao alto e percutir no meio.

 

Anónimo

Tradução de Albano Martins

in Antologia da Poesia Grega Clássica, Edições Afrontamento, Porto, 2011.

 

 

Nota talvez desnecessária

 

No Brasil não sei se piropo é usado com o significado de galanteio que tem em Portugal. Consultado o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa não o vi referido.

Por outro lado, marotice usa-se no Brasil com o significado de brejeirice que mantém em Portugal. Acresce que após a independência do Brasil, nos estados do Norte, maroto era alcunha de português, a qual não sei se ainda é de uso.

Abre o artigo a imagem de uma criação digital minha a partir de um desenho original que fiz por volta de 2005.

Carlos Mendonça Lopes