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Iluminura 24 500pxRespondendo ao soneto de CamõesAmor é fogo que arde sem se ver, escreveu o Abade de Jazente a sua visão de amor.

Bem longe está daquela doce sensação camoniana de nunca contentar-se de contente.  É antes uma leitura pesarosa e sofredora do amor, diferente daquele contentamento descontente mas pelo contrário É um não acabar sempre penando/ É um andar metido em mil tormentos.

Pobre Abade que assim o sentiu:

 

Amor é um arder que não se sente,

É ferida que doi e não tem cura,

É febre que no peito faz secura,

É mal que as forças tira de repente.


É fogo que consome ocultamente,

É dor que mortifica a criatura,

É ansia a mais cruel, a mais impura,

É fragoa que devora o fogo ardente.


É um triste penar entre lamentos,

É um não acabar sempre penando,

É um andar metido em mil tormentos.


É suspiros lançar de quando em quando,

É quem me causa eternos sentimentos,

É que me mata e vida me está dando.

 

Vale a pena comparar os sonetos verso a verso e perceber onde acontece a mudança do sentir e como a música das palavras o transmite:

 

Camões /     Abade de Jazente

 

Amor é fogo que arde sem se ver;  /  Amor é um arder que não se sente,

É ferida que dói e não se sente;  /  É ferida que doi e não tem cura,

É um contentamento descontente;  /  É febre que no peito faz secura,

É dor que desatina sem doer;  /  É mal que as forças tira de repente.


 

É um não querer mais que bem querer;  /  É fogo que consome ocultamente,

É solitário andar por entre a gente;  /  É dor que mortifica a criatura,

É nunca contentar-se de contente;  /  É ansia a mais cruel, a mais impura,

É cuidar que se ganha em se perder;  /  É fragoa que devora o fogo ardente.


 

É querer estar preso por vontade;  /  É um triste penar entre lamentos,

É servir a quem vence, o vencedor;  /  É um não acabar sempre penando,

É ter com quem nos mata lealdade.  /  É um andar metido em mil tormentos.


 

Mas como causar pode seu favor  /  É suspiros lançar de quando em quando,

Nos corações humanos amizade,  /  É quem me causa eternos sentimentos,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?  /  É que me mata e vida me está dando.


 

Ao comparar   “Amor é fogo que arde sem se vere  “Amor é um arder que não se sente o Abade fica irremediavelmente para trás na imagem que abrasa o coração amante.

Em todo o soneto lemos o contraste entre o génio e o ofício, ainda que a visão tragificada que o Abade tem do amor seja convincentemente transmitida ao leitor. Mas trata-se de uma criação por decalque e não invenção original.

Apenas no último verso do soneto do Abade de Jazente, aquele  “É que me mata e vida me está dando.” , o Abade chega às alturas do seu modelo, o que não é pouco. Somente aí vemos expressar o que para Camões é a natureza do amor, aquela permanente oscilação entre contrários que percorre todo o seu poema.