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Respondendo ao soneto de Camões “ Amor é fogo que arde sem se ver”, escreveu o Abade de Jazente a sua visão de amor.
Bem longe está daquela doce sensação camoniana de nunca contentar-se de contente. É antes uma leitura pesarosa e sofredora do amor, diferente daquele contentamento descontente mas pelo contrário – É um não acabar sempre penando/ É um andar metido em mil tormentos.
Pobre Abade que assim o sentiu:
Amor é um arder que não se sente,
É ferida que doi e não tem cura,
É febre que no peito faz secura,
É mal que as forças tira de repente.
É fogo que consome ocultamente,
É dor que mortifica a criatura,
É ansia a mais cruel, a mais impura,
É fragoa que devora o fogo ardente.
É um triste penar entre lamentos,
É um não acabar sempre penando,
É um andar metido em mil tormentos.
É suspiros lançar de quando em quando,
É quem me causa eternos sentimentos,
É que me mata e vida me está dando.
Vale a pena comparar os sonetos verso a verso e perceber onde acontece a mudança do sentir e como a música das palavras o transmite:
Camões / Abade de Jazente
Amor é fogo que arde sem se ver; / Amor é um arder que não se sente,
É ferida que dói e não se sente; / É ferida que doi e não tem cura,
É um contentamento descontente; / É febre que no peito faz secura,
É dor que desatina sem doer; / É mal que as forças tira de repente.
É um não querer mais que bem querer; / É fogo que consome ocultamente,
É solitário andar por entre a gente; / É dor que mortifica a criatura,
É nunca contentar-se de contente; / É ansia a mais cruel, a mais impura,
É cuidar que se ganha em se perder; / É fragoa que devora o fogo ardente.
É querer estar preso por vontade; / É um triste penar entre lamentos,
É servir a quem vence, o vencedor; / É um não acabar sempre penando,
É ter com quem nos mata lealdade. / É um andar metido em mil tormentos.
Mas como causar pode seu favor / É suspiros lançar de quando em quando,
Nos corações humanos amizade, / É quem me causa eternos sentimentos,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor? / É que me mata e vida me está dando.
Ao comparar “Amor é fogo que arde sem se ver” e “Amor é um arder que não se sente” o Abade fica irremediavelmente para trás na imagem que abrasa o coração amante.
Em todo o soneto lemos o contraste entre o génio e o ofício, ainda que a visão tragificada que o Abade tem do amor seja convincentemente transmitida ao leitor. Mas trata-se de uma criação por decalque e não invenção original.
Apenas no último verso do soneto do Abade de Jazente, aquele “É que me mata e vida me está dando.” , o Abade chega às alturas do seu modelo, o que não é pouco. Somente aí vemos expressar o que para Camões é a natureza do amor, aquela permanente oscilação entre contrários que percorre todo o seu poema.
Obrigado!
Feliz 2015 e que o proximo ano a faça exclamar: Amor, bendito amor!
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Estou indecisa em qual dos dois estará mais próximo do amor. amor, maldito amor.
Feliz 2015!
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