Etiquetas

Deixemos de lado as soturnidades por onde tenho andado no blog e passemos ao erotismo viril da poesia de Robert Burns (1758-1796).
Nascido na Escócia foi, nas palavras de Jorge de SenaUm dos maiores líricos da poesia universal“.

Embora com poesia ainda publicada em vida, a obra poética coligida em 1801 foi, e regresso às palavras de Jorge de Sena, “um dos maiores fermentos do Romantismo, a cujos ideais de licença erótica na poesia e na vida se pode dizer que ele sacrificara a sua. Pela liberdade apaixonada, o erotismo desenfreado, a pungência dorida, a malícia viril, o domínio absoluto de uma linguagem que é menos dialectal do que fabricada por ele com dialecto e inglês literário, a arte consumada de uma musicalidade perfeita, a sua grandeza de lírico é extraordinária. Mas nem a simplicidade aparente, nem o tom popular, excluem uma aguda perspicácia e uma culta desenvoltura, que tudo absorviam e tornavam em original poesia que foi uma rajada de ar fresco nos convencionalismos poéticos do século XVIII. Sátira violenta e revolucionarismo libertário igualmente estão presentes nesta poesia desavergonhadamente autobiográfica. “.

Apresentado que está o poeta pela voz autorizada de um mestre, vamos a alguma da sua poesia.

ANA (tradução de Jorge de Sena)

Aí vinho que ontem bebi
‘scondido numa choupana
quando em meu peito senti
os negros cabelos de Ana!
O judeu lá no deserto
que bebia o que Deus mana
não sabia o mel oferto
nos lábios ardentes de Ana!

Reis, tomai o Leste e o Oeste,
desde o Indo até o Savana,
mas dai ao corpo que as veste
as formas trementes de Ana!
Encantos desdenharei
de imperatriz ou sultana
pelo prazer que darei
e tomarei só com Ana.

Vai-te, faustoso deus diurno!
Vai-te, pálida Diana!
Suma-se o claror nocturno,
quando eu me encontro com Ana!
Venha a noite em negro manto!
Sol, Lua, Estrelas, deixai-nos!
Só com penas de anjo o encanto
direi dos gozos com Ana.

E segue-se o original, do qual Jorge de Sena não traduziu o postscript.

THE BANKS OF BANNA (original)
Yestreen I had a pint o wine,
A place where body saw na;
Yestreen lay on this breast o’ mine
The gowden locks of Anna.
The hungry Jew in wilderness
Rejoicing o’er his manna
Was naething to my hiney bliss
Upon the lips of Anna.

Ye Monarchs take the East and West
Frae Indus to Savannah:
Gie me within my straining grasp
The melting form of Anna!
There I’ll despise Imperial charms,
While dying raptures in her arms,
I give an take wi Anna!

Awa, thou flaunting God of Day!
Awa, thou pale Diana!
Ilk Star, gae hide thy twinkling ray,
When I’m to meet my Anna!
Come, in thy raven plumage, Night
(Sun, Moon, and Stars, withdrawn a’,)
And bring an Angel-pen to write
My transports with my Anna!

POSTSCRIPT
The Kirk an State may join, an tell
To do sic things I maunna:
The Kirk an State may gae to Hell,
And I’ll gae to my Anna.
She is the sunshine o’ my e’e,
To live but her I canna:
Had I on earth but wishes three,
The first should be my Anna.

O poema encontra-se na colecção de poemas licenciosos The Merry Muses, publicada em 1799. É dela também a balada Roger e Molly, que segue.
O postscript entende-se melhor se se souber que o poeta foi primeiramente condenado pela igreja fundada por John Knox [conhecida entre os escoceses por Kirk] a abstinência sexual com a namorada Betsy, com quem teve a  primeira filha, por terem tido relações sexuais sem serem casados. A reacção do poeta a esta primeira condenação lemo-la em THE FORNICATOR, que transcrevo no final, onde as relações sexuais são qualificadas como as bem-aventuradas alegrias dos amantes [The blissful joys of lovers].

ROGER E MOLLY (tradução de Jorge de Sena)

à sombra do chorão, que se alongava,
Molly, tão bela, de amor suspirava,
Seu gado era em redor,
Ora fazendo meia, ora cantando,
o mesmo pensamento ia soltando:
“Quão fundo é meu amor”.

O jovem Roger que por lá passava
ouviu quanto de amor’s Molly cantava
com que magoado ardor.
Saltando a sebe, aproximou-se dela,
veio estender-se ao pé de Molly bela:
“Quão fundo é meu amor”.

Molly corou de um breve susto inquieto:
“Que graça a tua, agora fica quieto”.
E os olha num langor…
“Quebra-se a agulha, a meia me desfazes…
Cantava, e não pensava nos rapazes,
“Quão fundo é meu amor”.

Bruto! Oh, beijos não… Tira! Sou tua…
Agora, agora… pára… continua…
Aí que eu grito de dor!
Que estás tu a fazer, patife imundo?”
E el’ arquejante como um moribundo:
“Quão fundo é meu amor”.

I LOVE MY JEAN (tradução de Luiz Cardim)

Anda alegria no vento
sempre que vem do sol-pôr:
lá donde vive a serrana
que me enfeitiçou d’amor…
Lá nos montes, pelas fontes,
pelos pinhais, vai sozinha…
A cada momento, o vento
me faz lembrar — Joaninha!

Vejo-a nas florinhas tenras,
que dá graça de as olhar;
ouço-a no trilo das aves
que põe bruxedo no ar:
a papoila que floresce
por entre a messe, ou a vinha,
o rouxinol que gorjeia,
só me dizem — Joaninha!

I LOVE MY JEAN (original)

Of all the airts the wind can blaw
I dearly like the west
For there the bonnie Lassie lives
The Lassie I love best
There’s wild-woods grow, and rivers row
And mony a hill between
But day and night my fancy’s flight
Is ever way my Jean

I see her in the Dewy flowers
I see her sweet and fair
I hear her in the tuneful birds
I hear her charm the air
There’s not a bonnie flower, that springs
By a fountain, shaw, or green
There’s not a bonnie bird that sings
But minds me o‚ my Jean

MY HEART IS SAKE FOR SOMEBODY… (tradução de Luiz Cardim)

Trago inquieto o coração
por alguém, que nem eu sei…
Quisera perder as noites
a pensar em alguém,
por amor dalguém,
aí, por amor dalguém!
Ir-me por todo esse mundo
por amor dalguém!

Santos ao amor fagueiros,
sorri docemente a alguém!
Livrai-o de todo o p’rigo;
e dai-me esse alguém,
trazei-me esse alguém
aí, trazei-me esse alguém!
Que eu… — que não farei eu
por amor dalguém?

MY HEART IS SAKE FOR SOMEBODY… (original)

My heart is sair, I dare na tell,
My heart is sair for Somebody;
I could wake a winter night
For the sake o’ Somebody.
Oh-hon! for Somebody!
Oh-hey! for Somebody!
I could range the world around,
For the sake o’ Somebody!

Ye Powers that smile on virtuous love,
O, sweetly smile on Somebody!
Frae ilka danger keep him free,
And send me safe my Somebody.
Oh-hon! for Somebody!
Oh-hey! for Somebody!
I wad do – what wad I not?
For the sake o’ Somebody!

MARY MORISON (tradução de Luiz Cardim)

Maria, assoma à janela:
chegou por fim o momento!
O teu sorriso empobrece
os oiros do avarento…
Até me fazia escravo
a moirejar noite e dia,
se como prémio tivesse
a minha doce Maria!

Ontem, ao som das violas,
a aldeia inteira bailava;
só eu, sem ouvir nem ver,
para ti, meu bem, voava…
Fossem loiras ou morenas,
nenhuma ali te vencia…
Eu, então, só me queixava
Não sois a minha Maria!

A quem por ti dera a vida,
vais, Maria, enlouquecer?
Ou rasgar-lhe o coração
sem culpa de bem-querer?
Se amor por amor não dás,
pena tem desta agonia…
Mal ficava ser cruel
à minha doce Maria!

MARY MORISON (original)

O Mary, at thy window be,
It is the wish’d, the trysted hour!
Those smiles and glances let me see,
That makes the miser’s treasure poor:
How blythely wad I bide the stoure,
A weary slave frae sun to sun,
Could I the rich reward secure,
The lovely Mary Morison.

Yestreen when to the trembling string
The dance gaed thro’ the lighted ha’
To thee my fancy took its wing,
I sat, but neither heard nor saw:
Tho’ this was fair, and that was braw,
And yon the toast of a’ the town,
I sigh’d, and said amang them a’,
“Ye are na Mary Morison.”

O Mary, canst thou wreck his peace,
Wha for thy sake wad gladly die?
Or canst thou break that heart of his,
Whase only faut is loving thee?
If love for love thou wilt na gie
At least be pity to me shown:
A thought ungentle canna be
The thought o’ Mary Morison.

E agora o prometido THE FORNICATOR para o qual não encontrei tradução em português. Talvez algum dos eruditos leitores do blog nos venha a propor uma tradução. Tenhamos esperança!

THE FORNICATOR (original)

Ye jovial boys, who love the joys,
The blissful joys of lovers,
And dare avow wi’ dauntless brow,
Whate’er the lass discovers;
I pray draw near, and you shall hear,
And welcome in a frater,
I’ve lately been in quarantine,
A proven fornicator.
Before the congregation wide
I pass’d the muster fairly,
My handsome Betsy by my side,
We gat our ditty rarely.
My downcast eye, by chance did spy
What made my mouth to water,
Those limbs so clean, where I between,
Commenced a fornicator.
Wi’ ruefu’ face, and signs o’ grace,
I paid the buttock hire;
The night was dark, and thro’ the park,
I couldna but convoy her.
A parting kiss, what could I less ;
My vows began to scatter,
Sweet Betsy fell, fal, lal, de ral,
And I’m a fornicator.
But by the sun and moon I swear,
And I’ll fulfill ilk hair o’t,
That while I own a single crown,
She’s welcome to a share o’t.
My roguish boy, his mother’s joy,
And darling of his pater,
I for his sake, the name will take,
A hardened fornicator.

Abri o artigo com a visão de um encontro possivel entre protagonistas dos poemas, termino com um desenho mais em linha com o que acabámos de ler.