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O quarto decorado em tons pastel lembrava uma pintura de Morandi, transpirava uma atmosfera diáfana e convidava ao repouso. A luz coada pelas cortinas esvoaçantes punha sobre os móveis encerados um dourado acolhedor.
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Depois deste fragmento de uma ficção em curso, deixo-vos com um poema de Juan Luis Panero (1942) evocativo da pintura de Giorgio Morandi (1890-1964).
CINZA ETERNA
(Giorgio Morandi)
Musica silenciosa da cor, rumor do pincel e da tela,
simbolo simples, segredo azul e cinzento.
O tempo passa, mas não fere, parece flutuar,
suave nos contornos, detido nas formas,
reflexos onde a realidade se sonha,
inventada luz, por isso mais intensa.
Milhares de olhos e um único olhar
para pintar esta garrafa, depurar o branco daquela cerâmica,
despir, transparente pele cálida, fulgor acariciado,
o vidro, a toalha, a madeira, as frágeis flores,
para sonhar diferente e única,
repetida e comum, esta matéria eterna,
as suas marcas de espuma, a sua pálida cinza.
Noticia bibliográfica
O poema foi publicado no livro Antes que llegue la noche (1985) e traduzido por Joaquim Manuel Magalhães. A tradução foi publicada por RELÓGIO D’ÁGUA em 2003, na antologia da obra do poeta, POEMAS, organizada e prefaciada pelo tradutor.
Termino com três pinturas de Morandi onde o predomínio do amarelo produziu resultados diversos num intervalo de largos anos, num progressivo abandonar do rigor do desenho até àquela diáfana forma de representar sempre os mesmos objectos.